Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Desgastes internos motivaram saída de Luiz Fernando Carvalho da Globo

o diretor Luiz Fernando Carvalho dirige Rodrigo Santoro em 'Velho Chico' ? Foto de Caiuá Franco/Divulgação

A Globo avisou hoje que decidiu, de comum acordo com Luiz Fernando Carvalho, não renovar o contrato de um de seus diretores mais criativos (e não há quem some mais êxitos ao tentar fugir do lugar comum na TV), após mais de três décadas de trabalho. Ele poderá realizar novos trabalhos para a casa, com contratos por obra certa, mas ficará livre para trabalhar para outros grupos, como HBO ou Netflix, e para o cinema.

Nesse caso, a ação não tem a crise como culpada,ou não como questão mais relevante. O episódio é consequência de uma série de desgastes entre o diretor e outros diretores da casa, em uma sequência de quedas de braço em que Luiz Fernando fez o que achou melhor para zelar pelo nível artístico das produções que dirigiu, recusando-se a seguir as orientações da empresa.

Não há ator que tenha trabalhado com Luiz Fernando Carvalho, e que eu tenha entrevistado, que não cubra de loas e glórias o processo criativo do diretor de “Velho Chico”, “Dois Irmãos”, “Hoje É Dia de Maria”, “Os Maias”, “Renascer”, “O Rei do Gado”, “Capitu” e “Meu Pedacinho de Chão”, entre outras produções bacanérricas dirigidas por ele. Seu intenso expediente de preparação deixava os atores de língua de fora, exaustos, mas sempre gratos pelo resultado final. Não há diretor de TV que tenha acumulado tantos acertos ao buscar uma luz fora da curva rasa por onde a televisão trafega. Assinou também as séries “O que Querem As Mulheres”, “Subúrbia”, “A Pedra do Reino”, “Alexandre e Outros Heróis” e a ótima série baseada em Clarice Lispector pra o “Fantástico”, “Correio Feminino”.

Também errou, vá lá. Cioso de suas ideias, chegou a romper com Paulo Ubiratan, o primeiro grande diretor da Globo a lhe abrir espaço para criar, quando insistiu numa escalação de elenco da qual o então veterano discordava frontalmente, no remake de “Irmãos Coragem”, ainda em 1995. Ubiratan, conhecido como o mais hábil diretor na escalação de elencos, estava certo.

Os desgastes com a direção da emissora foram crescendo à medida que Luiz Fernando parecia cada vez menos disposto a ceder, mas o resultado artístico alcançado por ele normalmente exibia uma genialidade que compensava a insubordinação, de modo que ele continuou a ditar as regras sobre o que fazia, o que também era visto como o comportamento de alguém muito cuidadoso e detalhista em seu ofício. Quando o canal Viva reprisou a minissérie “Os Maias”, ele quis reeditar o trabalho,  a fim de ajustar os problemas da exibição original – o 1º capítulo foi ao ar mais curto, na Globo, porque ele não conseguiu finalizar a edição dentro do prazo, o que comprometeu a narrativa da adaptação de Maria Adelaide Amaral para a obra de Eça de Queiroz. Em compensação, Fábio Assunção exibiu sua melhor performance. Alguns atores nunca funcionaram tão bem diante das câmeras, como funcionam sob as rédeas dele. É um diretor que extrai uma visceralidade surpreendente de cada um.

No pacote de adversidades acumuladas internamente, na Globo, a saída da autora Edmara Barbosa de “Velho Chico” é atribuída às imposições dele ao texto, e sua assinatura de fato é grife reconhecida nas obras que dirige. Embora a TV seja a arte do autor e o cinema seja tratado como a arte do diretor, Luiz Fernando é, na TV, um diretor autoral, e ninguém nega que entrega belíssimas narrativas. O caso é que faltou conciliação com outros envolvidos no processo, mesmo fora do set. Com Benedito Ruy Barbosa, por exemplo, o entendimento era perfeito. “Eu não me incomodo nem um pouco com a leitura que ele faz do meu texto porque ele melhora meu texto”, disse-me o autor, na época de “Meu pedacinho de Chão”.

Já com Silvio de Abreu, diretor do núcleo de novelas na Globo, os conflitos não foram poucos ao longo de “Velho Chico”, em função de uma resistência artística a medidas mais estratégicas para elevar a audiência. Também acumulou embates com o diretor de Comunicação da Globo, o publicitário Sérgio Valente, por ocasião do lançamento de “Dois Irmãos”. E é justamente Valente quem fala oficialmente sobre o fim do contrato fixo com o diretor, no comunicado da emissora sobre o caso.

Não houve, entre Luiz Fernando e Valente ou Abreu algo que se possa tratar como “briga”. Que ninguém imagine daí um bate-boca digno de novela pastelão, mas os intensos debates, por conflitos entre um lado e outro, atingiram seu esgotamento. Ao fim de “Velho Chico”, a direção da Globo mandou desativar o tão elogiado galpão onde o diretor criava suas produções. Era ali que os atores encaravam longas sessões de preparação para seus papéis. Era lá que se promovia uma junção de todos os setores criativos da obra, com figurinistas, cenógrafos, maquiadores, atores, músicos e câmeras trocando ideias e experiências.

Ainda quando editava “Dois Irmãos”, Luiz Fernando já tratava a série como o fim de um ciclo na TV Globo, e chegou a comentar sobre isso, à época, com seus colaboradores, tratando a produção como “Réquiem”.

Durante um agradável debate sobre “Dois Irmãos”, no início de fevereiro, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, Carvalho contou ao TelePadi que pretendia tirar férias, após um período contínuo de três anos de trabalho, que incluiu “Meu Pedacinho de Chão”, “Dois Irmãos” e “Velho Chico”, novela que lhe rendeu tensões muito além do normal, em razão da morte de Domingos Montagner, fato que abalou toda a equipe, a poucos dias do fim das gravações. E disse que pretende tocar um novo filme, revisitando o adorável universo de Clarice Lispector.

Eis a íntegra do comunicado:

Globo e Luiz Fernando Carvalho decidem seguir com parceria em modelo obra certa

 A Globo e o diretor Luiz Fernando Carvalho decidiram em comum acordo que vão partir para um novo modelo de relacionamento, agora por obra certa.
A parceria de 30 anos entre a Globo e o diretor vai se manter, mas em outros moldes. Marcada pela inovação e a criatividade, gerou produtos de grande sucesso de público e crítica, como ‘O Rei do Gado’, ‘Renascer’, ‘Os Maias’, ‘Hoje é Dia de Maria’ e a mais recente ‘Dois Irmãos”, entre outras obras. Esse novo modelo permitirá que Luiz Fernando Carvalho desenvolva projetos também com outros parceiros.
‘A Globo continuará contando com o trabalho de Luiz Fernando Carvalho numa dinâmica como a que hoje tem com outros grandes diretores do mercado. Sempre que houver uma grande história para ser contada por Luiz Fernando Carvalho na Globo, a emissora e o diretor trabalharão juntos para levar o projeto ao ar’, esclarece Sergio Valente, diretor de Comunicação da Globo.’

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