Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Despedida de Jô teve amigos, chefia e um ‘daqui a pouco a gente volta’

Jô Soares em seu último programa, com o amigo Ziraldo / Divulgação

Jô Soares encerrou a entrevista de número 14.426 de sua jornada de 28 anos à frente de talk show (incluindo os 12 anos do “Jô Onze e Meia”, no SBT), contando uma história inédita sobre sua volta para a Globo, em 2000.

À época, Marluce Dias da Silva havia assumido o posto de diretora-geral da Globo, ocupando o poder personificado por Boni até 1997. Coincidência das coincidências, Jô tem uma auxiliar que trabalha com ele há anos, também chamada Marluce. E quando um rapaz que foi lhe vender uma máquina de Xerox aceitou um café, tomou um susto ao ver Jô pegar o telefone e pedir: “Marluce, traz um café pra gente?” O sujeito, incrédulo, respondeu-lhe: “puxa, o Boni deve ter muita inveja de você!” Imagine o poder do sujeito que pode pedir cafezinho à “dona Marluce”? Junto a esse relato, Jô exibiu o trecho da entrevista feita com Roberto Marinho, na casa do empresário, também por ocasião de sua volta à Globo. A conversa marcou justamente a estreia do “Programa do Jô” na emissora, em 2000. “Eu estou encantado”, disse o patrão naquela ocasião. “Estou satisfeitíssimo de ter você aqui”, falou, citando a credibilidade de Jô, e emendou, orgulhoso, que “alguns amigos testemunharão que nós trabalhamos juntos”.

Não foi um episódio perdido nessa despedida. Pouco antes, enquanto entrevistava Ziraldo, escolhido para encerrar a carreira de 28 anos do talk show diário, o apresentador contou em detalhes uma outra história inédita, também relacionada a Boni.

Quando Jô trocou a Globo pelo SBT, em 1988, o então todo-poderoso executivo proibiu que todos os comerciais dos espetáculos de Jô ou com sua imagem fossem exibidos pela Globo. O gordo reagiu. Escreveu um artigo publicado pelo (extinto) “Jornal do Brasil”, comparando a atitude do ex-chefe ao Macarthismo, movimento liderado pelo então senador americano Joseph Raymond McCarthy, que perseguia comunistas nos Estados Unidos, inclusive rifando em Hollywood todos os profissionais que pensassem fora de modo divergente ao  capitalismo selvagem de Tio Sam. A comparação se apegava a uma lista negra feita por Boni para vetar profissionais que haviam trabalhado com Jô nos humorísticos da Globo. Jô teve a chance de ler o artigo ao comparecer ao Troféu Imprensa, realizado naquela mesma semana, e o teor da pendenga com Boni ficou amplamente conhecido. “Estou estudando como te proibir de usar a palavra ‘gordo'”, chegou a lhe dizer o ex-chefe, denunciando muito rancor pela perda de Jô.

Agora, no momento de se despedir do “Programa do Jô”, ele volta novamente ao episódio e narra um trecho inédito daquela história: “Quando saí da Globo, o Roberto Marinho me convidou para jantar. Ele falou para o Boni: ‘vou jantar com o Jô, porque eu não tenho nenhum problema com ele, ele é meu amigo’. Aí o Boni disse: ‘Eu não tive como falar para o senhor sobre o que aconteceu porque o senhor estava na Itália’. E o doutor Roberto então respondeu: ‘ah, e na Itália não tem telefone?'”

Neste último programa, que levou Ziraldo a se sentar na poltrona de Jô pela 24ª vez e foi escolhido para cerrar as cortinas justamente por ser o entrevistado que mais esteve ali, Jô agradece a toda a equipe pelos anos de fidelidade e apoio. Agradece sobretudo ao seu “padrinho”, Max Nunes, redator que o acompanhou até o fim, quando morreu, no ano passado, aos 90 anos, sempre lhe soprando ideias no ouvido, diretamente do switcher (mesa de cortes que controla o áudio e as câmeras).

A plateia do adeus foi composta por convidados ilustres, a começar pelo diretor-geral da Globo, Carlos Henrique Schroder, e pelo diretor Ricardo Waddington. Os publicitários Nizan Guanaes, Eduardo Fischer e Marcos Quintela engrossavam a plateia, ao lado de figuras como Serginho Groisman e sua equipe, que foram prestigiar os vizinhos de produção na Globo São Paulo. Produtoras do “Altas Horas”, programa que chegou à Globo junto com o talk show de Jô, em 2000, terminaram a gravação enxugando lágrimas, como vários presentes.

Jô procurou manter a sobriedade. Derreteu-se menos do que na entrevista com Roberto Carlos, e achou bom que as pernas não ficassem tão bambas no encerramento. Daí a escolha por Ziraldo, amigo íntimo de longa data, com quem se permite alguma galhofa, no melhor sentido. O cartunista lhe trouxe um presente especial: as caricaturas que desenhou de Jô ao longo da vida, incluindo tantos espetáculos e historinhas. “Você é tão bem feitinho, Jô”, disse-lhe “Zi”, como foi chamado por Jô, “que é difícil fazer caricatura sua”.

A conversa foi costurada, ao fim de cada bloco, com uma série de cenas de Jô à frente do programa. Revimos flashes rápidos da histórica entrevista com Hebe Camargo, Nair Bello e Lolita Rodrigues, flashes de Drauzio Varela, Bibi Ferreira e de Gisele Bündchen tentando ensiná-lo a desfilar. A larga presença de anônimos ao longo do histórico do talk show foi representada por um blues gravado por um fã no cenário do programa. “Será que os teatros vão esvaziar e as melhores histórias ninguém vai contar?”, diz a letra, que sugere dias de insegurança para um vasto público que se acostumou a não ir para a cama sem o apresentador, como propunha a chamada do programa.

Não houve imagem dos idos do SBT, mas a emissora foi citada nominalmente por Jô, assim como Silvio Santos, como grandes responsáveis por ele ter tido a oportunidade de fazer um programa de entrevistas. Como é sabido, a Globo, apegada à grade de programação da época, recusou-lhe abrir vaga para uma atração do gênero, rendendo-se ao formato e à proposta do apresentador só em 2000.

Foi uma despedida com sabor de fechamento precoce. Quando Jô pediu que Ziraldo anunciasse o último bloco com o tradicional “daqui a pouco a gente volta”, o amigo, dono de previsões bastante equivocadas – sempre via fracassos para o que se tornaria sucesso para Jô, questionou: “mas volta mesmo?”

É de se duvidar que a Globo o deixe partir para outras bandas, abraçando ainda uma plateia tão dependente do apresentador nos fins de noite.

 

 

 

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