Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

O dilema sem dilemas do ‘Roda Viva’, aos 30

Mauricio Stycer bem escreveu na Folha (http://migre.me/vpjVF) sobre os 30 anos do “Roda Viva” e sua perda de relevância.

Concordo muito com a análise toda, que localiza naquela reforma operada durante a gestão de um ano de Marília Gabriela à frente do programa, com Augusto Nunes e Paulo Moreira Leite, o ponto mais forte da desconstrução do formato original e seus melhores valores.

Ouso acrescentar um dado essencial para sua perda de relevância: o tom quase uníssono entre entrevistadores e mediador, seja para duelar com o convidado ou para malhar o Judas. Invariavelmente, todos parecem concordar, estão de comum acordo sobre a forma de tratar o entrevistado. Na grande maioria das vezes, o tom cordial une inclusive entrevistado e entrevistadores/mediador, como se o centro da roda estivesse ali para ser homenageado, jamais contestado, como cabe a um programa que se propõe a provocar reflexão e debater. Isso é a morte para a proposta original e gera saudosismo em relação ao que foi e ao que representou o “Roda Viva” em seus primeiros 20 anos.

Quando teremos de novo um mediador capaz de questionar um ícone do partido que sustenta a TV Cultura, produtora e exibidora do “Roda Viva”, sobre o preço dos pedágios cobrados nas estradas concedidas a terceiros pelo governo estadual gerido por este mesmo partido? Heródoto Barbeiro o fez com José Serra. Foi dispensado pela emissora duas semanas depois.

Mario Sergio Conti insistiu no convite a Fernando Henrique Cardoso, contra a vontade do chefe (Marcos Mendonça), e também dançou.

Há quem analise que aquele tom áspero adotado nos primeiros dez anos do programa fazia parte de um período que todos estavam testando limites de liberdade, após longos anos de silêncio da ditadura. As militâncias amadureceram, os discursos exaltados foram adestrados dentro dos padrões cínicos de uma suposta civilidade, vá lá, ninguém mais precisa gritar para se fazer ouvir, mas o repertório não deveria se arrefecer na mesma medida. Há como questionar civilizadamente, sem ser condescendente. Endurecer sem perder a ternura é um desafio maior, mas que deve ser buscado, embora esteja sendo ignorado.

Há os entrevistados a quem a produção inclusive pergunta se ele tem nomes a indicar para a bancada de entrevistadores, e digo isso pela experiência própria de ter participado de várias edições. Vira uma bancada de amiguinhos.

É preciso buscar de volta a relevância dos debates televisivos. Iniciei minha carreira na produção do Programa Ferreira Netto, de uma Record bem distinta da de hoje, ainda no último suspiro da gestão da família Machado de Carvalho. Acusavam-no, à época, de reacionário. Mas posso dizer que ele não aceitava da produção de sua equipe que partidos adversários não estivessem representados à mesa. “Mas você fica dando pau no PT, Ferreira, eles não querem mais participar”, dizíamos. “Sem PT, não tem debate, não tem programa”, ele respondia. Quem conheceu Ferreira Netto bem sabe que o homem jamais foi petista. Foi até candidato ao Senado, pelo PRN de Fernando Collor, então adversário mais evidente do PT. Sabia, no entanto, como tornar o debate digno de debate. Sábio.

A pluralidade desapareceu das mesas de política, ou das que ainda restaram.

O “Casseta & Planeta”, em seus derradeiros dias, fazia até paródia dos trios de especialistas que compõem programas da GloboNews como o “Painel”. A piada era rir do fato de todos falarem mais ou menos a mesma coisa. Concorda-se mais do que discorda-se, o que reduz o repertório do telespectador a níveis ainda menores. No mínimo, é uma cena muito distante da polarização das ruas e das redes sociais, como bem observou Stycer.

 

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Cristina Padiglione

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