Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Preparem os memes: Jamanta não morreu e está de volta no Viva

sandrinha

As reprises no canal Viva promovem a essas produções um benefício inédito, que é a chance de serem comentadas e repercutidas, em geral mais para o bem do que para o mal, nas redes sociais. Agora, a partir desta segunda-feira, 10 de outubro, essa oportunidade nos brinda com potenciais alvos de comentários. Vem ai ‘Torre de Babel’, na faixa de segunda a sexta, às 14h30.

Mesmo sem Facebook, Twitter ou Instagram, em 1998, uma espécie de meme se materializou no discurso do público que acompanhava com atenção a novela de Silvio de Abreu, então exibida na faixa nobre da Globo. Motivado pela explosão de um shopping center e toda a investigação sobre a autoria do crime, um dos personagens repetiria à exaustão, durante toda a novela: “Jamanta não morreu!”

Era Cacá Carvalho, respeitável ator de teatro e desconhecido na televisão, que brilhava na pele de um cidadão hoje tratado como “especial”, digamos, longe das condições plenas de suas faculdades mentais. Naqueles tempos, ainda na era pré-politicamente correta, diziam mesmo que Jamanta era “retardado”. Era maltratado pela peste da Sandrinha (foto, acima), primeira personagem de Adriana Esteves a revelar do que ela era capaz, no melhor sentido, como atriz. Ali nascia a certeza de que ela veio, definitivamente, para ser muito mais do que a mocinha doce e passiva dos folhetins. Jamanta também adorava repetir que amava Sandrinha, coitado, enquanto era esculachado pela vilã de modos vulgares (ela não se inibia em puxar a calcinha que insistia em se instalar entre as nádegas, ao contrário: sabia que enlouquecia os homens ao se livrar desse enrosco, ajeitando a peça sob a calça, short ou saia, onde quer que estivesse).

De Silvio de Abreu, ‘Torre de Babel’ construiu alguns mitos e boas discussões ao longo de sua exibição.

  1. Que Tony Ramos, bom cidadão, bom pai e bom marido, jamais seria aceito pelo público na pele de um vilão. Seu bronco José Clementino, ex-presidiário, teria motivado uma rejeição à novela, por ser apresentado como malvado, no ferro velho do pai (Juca de Oliveira). Era ele o principal suspeito pela explosão do shopping, o que seria uma vingança por sua prisão, ação incentivada por César Toledo (Tarcísio Meira), dono do shopping. Clementino era perito em fogos de artifício, mas trabalhava como pedreiro. Assassinou a mulher após flagrá-la com dois operários e pega 20 anos de xadrez. Silvio de Abreu sempre desmentiu que a virada de José Clementino em bom sujeito, no decorrer da novela, tivesse sido resultado da rejeição do público. Enfatiza, sempre que tocamos nesse assunto (e voltamos a falar disso na época em que Tony Ramos foi apresentado como o Zé Maria de ‘A Regra do Jogo’, recentemente), que a ideia de José Clementino sempre foi essa: ele começaria temerário e, ao se encantar pela correta e doce personagem de Maitê Proença, vai tomando um rumo mais afável e humano, vai se ajustando. “A ideia sempre foi mostrar que alguém pode ser fruto do ambiente em que vive e das pessoas com quem convive, e de que forma isso pode afetar o seu comportamento”, falou-me o autor.
  2. Que a morte das lésbicas vividas por Silvia Pfeifer e Christiane Torloni na explosão do shopping também teria ocorrido para driblar a rejeição do público ao casal, o que ele igualmente desmente.
  3. A novela desnudou, como nunca havia acontecido antes na faixa nobre da TV aberta, as mazelas da dependência química, com cenas de overdose, depressão e desespero, do personagem de Marcello Anthony, que ganhou muitas olheiras na maquiagem e era filho do casal master da TV, Tarcísio Meira e Glória Menezes.
  4. No fim das contas, previstas ou não, as alterações nos rumos da novela ganharam a atenção do público, mas, em boa parte, com êxito do suspense em torno de quem explodira o shopping, aliado à dúvida do público sobre a culpabilidade ou não de José Clementino.
  5. Da era pré-classificação indicativa, ‘Torre de Babel’ teve homicídio, com o revólver nas mãos de Cláudia Raia, a pérfida Ângela, em primeiro plano, sem disfarce. E teve até suicídio, o que Silvio também já tinha feito com Laurinha Figuerôa (Glória Menezes) em ‘Rainha da Sucata’, e toda vez que eu passo diante do prédio da Caixa Econômica, na Avenida Paulista, lembro que foi lá do alto que Laurinha saltou. Já em ‘Torre de Babel’, o cenário era o conhecido vão interno do Maksoud Plaza, tudo muito São Paulo, como convém ao histórico do autor.

‘Torre de Babel’ deu cria.

  1. Jamanta voltaria em outra novela de Silvio de Abreu, ‘Belíssima’, ao lado de Reynaldo Gianecchini.
  2. E seria usado, durante a dolorosa reforma operada em ‘Babilônia’, em busca de audiências melhores, pelo autor Gilberto Braga, como exemplo do bizarro gosto da audiência de São Paulo. Afinal, como alguém pode nortear seu interesse por uma novela com base no Jamanta? “Paulista é esquisito”, disse Braga em entrevista a Zenon Bravo, do jornal ‘O Globo’ (31/6/2015) . “Um dos meus melhores amigos é o Silvio de Abreu. Ele fez o personagem Jamanta. Odeio Jamanta e falei: ‘Jamanta de novo?’ (Sobre o retorno dele em ‘Belíssima’) Ele disse: ‘É um fenômeno paulista. Fora de São Paulo ninguém suporta, mas lá é um sucesso. Por isso que eu botei’. Acho que o problema está aí. Não sei escrever para quem gosta de Jamanta. Meu universo é anti-Jamanta.”
  3. Shirley, a Manca, vivida então por Karina Barum, voltou no corpo de outra atriz, agora Sabrina Petraglia, em ‘Haja Coração’, releitura de ‘Sassaricando’, do mesmo Silvio de Abreu, feita por Daniel Ortiz.

 

Vai ser uma delícia rememorar tudo isso. A má notícia é que a exibição no Viva será na faixa das 14h30, horário difícil de acompanhar, assim como 1h30, faixa da reprise de cada capítulo. A boa notícia é que a GloboSat Play já atende à demanda de novelas do canal. É Jamanta, vivinho, em plataformas diversas.

 

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione