Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Chico Pinheiro abre folia com aval de quem celebra toda semana

Chico Pinheiro faz via sacra pelas escolas de samba de São Paulo antes de pisar no Sambódromo. Foto de Ramón Vasconcelos/Divulgação

“Graças a Deus, hoje é sexta-feira!”: o mantra de Chico Pinheiro ficou de fora do “Bom Dia Brasil” de hoje, mas abrirá logo mais as transmissões do carnaval em São Paulo.

“Mineiro” nascido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, o âncora mais bem-humorado da Globo nos  recebe em seu apartamento no Morumbi, em São Paulo, com um prato de pão-de-queijo que “desculpem, queimou um pouquinho”.

Embora more no Rio desde que tenha assumido o “Bom Dia Brasil”, em 2011, Chico mantém um endereço na Pauliceia, onde moram quatro de seus cinco filhos e os dois netos.

Fuso invertido

Nesta sexta, ele troca o dia pela noite, com despertador acionado para as 17h: a partir das 20h30, estará a postos no Sambódromo do Anhembi, ao lado de Monalisa Perrone, para apresentar seu 17º carnaval de São Paulo pela Globo.

Com Monalisa Perrone, no ensaio desta quinta, no Anhembi

A inversão de fuso horário pede uma semana de preparo, como endossa sua ausência ao longo desta semana na bancada do “Bom Dia Brasil”. Normalmente, para dar conta do matutino, Chico acorda às  4h30 e chega à sede da Globo no Rio às 5h15, 5h30. Nem por isso dorme muito cedo ou abre mão de um ou outro programa à noite. “Todo dia, faço tudo o que eu tenho pra fazer e vou dormir lá pelas 5 da tarde. Acordo às 8h30 da noite, vejo o ‘JN’, e a novela (agora estou noveleiro), às vezes saio, e vou dormir lá pela meia-noite.”

Ainda em janeiro, Chico teve quatro dias para fazer a lição de casa do carnaval: “para visitar as escolas, este ano me liberaram antes: cheguei numa terça de manhã, e fiquei até sexta, fiz 14 escolas. Passei esses dias conversando com carnavalescos, diretores da escola, o pessoal que está costurando, já me inteirei do enredo, só não ouço a bateria e o povo cantando no ensaio, mas tenho os CDs e já vou ouvindo no carro.”

Na semana anterior ao carnaval, como um ritual, vai dormindo cada vez mais tarde para se habituar à inversão do sono. Ontem, véspera da transmissão, a equipe toda se reuniu para um ensaio geral no Anhembi, a fim de ajustar os finalmentes para o evento. Finado o ensaio, saem para jantar, sem bebida em excesso – “no máximo, uma cervejinha, senão capoto”. “Chego em casa às 3h, 3h30, vejo um filme de suspense ou de ação, tomo o café que a Marinha prepara para mim – ela trabalha comigo há mais de 20 anos -, fecho cortinas, porta, tudo: isso aqui fica um breu, e durmo até as 5 da tarde.”

Chico e Monalisa se encontram na sede paulista da Globo e de lá seguem para o Anhembi de Globocop. Não podem correr riscos na trilha das marginais, normalmente lotadas para a saída do feriado, neste fim de sexta.

Guiness

Do início ao fim das escolas, serão cerca de 12 horas de transmissão por noite. “Isso devia ir para o Guiness, não conheço transmissão ao vivo que dure 12 horas, no mundo todo”, atesta.

Já faz alguns carnavais que Chico foi liberado de dar expediente também no Rio. Na última vez, abandonou o estúdio, seguido pelo câmera, para ir atrás da Mangueira. “Atrás da Verde e Rosa só não vai quem já morreu, e eu tô é muito vivo”, avisou, no ar. Mesmo assim, até hoje, Chico fica no QG da Globo na Sapucaí, de stand by. “Se precisarem, estou por perto”, avisa.

Se é verdade que mineiro é mais chegado a uma procissão de Semana Santa do que a carnaval, ele fugiu da curva, o que não é exatamente uma exceção em se tratando de Chico Pinheiro.

‘Graças a Deus’ ecumênico

Dono de um coloquialismo sem igual entre os âncoras dos noticiários de rede de TV, principalmente da Globo, Chico é o sujeito que não só festeja a sexta-feira com seu “graças a Deus”, tanto faz se é no “Bom Dia Brasil” ou no “Jornal Nacional”, como pode fechar o “JN”, conhecido como a mais sagrada das vitrines da nossa TV, ostentando os dedos em gesto de paz&amor.

O Twitter vem abaixo. O público adora constatar a humanidade que por muito tempo foi coisa quase roubada dos apresentadores de telejornais, espécie que antigamente mais se assemelhava à dos robôs. E não é exagero afirmar que o estilo Chico contamina, no melhor sentido, toda a programação da casa.

De Tiago Leifert, nas chamadas do “The Voice” ou do “BBB”, a Otaviano Costa e seus pares no “Vídeo Show”, passando por Ana Maria Braga e quem mais aparecer para saudar a sexta, todos adoram repetir que “Graças a Deus, hoje é sexta-feira!”

O bordão veio do tempo em que Chico apresentava o “SPTV”, mas ganhou fama nacional pelo “Bom Dia Brasil”. Quando disse isso na bancada do matutino de rede pela primeira vez, houve quem se preocupasse com a possível associação da saudação à questão religiosa. Chico defendeu: “imagina, conheço muita gente que diz ‘sou ateu, graças a Deus, isso não tem nada a ver’. Como a repercussão foi ótima, o apresentador foi até incentivado a repetir o cumprimento toda sexta. “É vida que segue”, acrescenta.

E o aval da informalidade se espalhou para outras questões, como o próprio apelido de Maju para Maria Júlia Coutinho, que acabou contribuindo até para a informalidade de William Bonner no “Jornal Nacional”. É que Chico foi o primeiro a tratá-la como “Maju” no ar, e quando alguém arriscou dizer que o nome dela era “Maria Júlia”, Chico saiu em defesa do apelido: “então, podem me chamar de Francisco”. A própria Maju contou essa história a Jô Soares, ainda no programa do gordo, em 2016.

Voz própria

Chico acha que não faz nada demais, só tenta ser o que é.

“Quando cheguei à Globo, em 77, em BH, eu era chefe de reportagem e virei repórter do ‘JN’. Depois saí, fiz um monte de coisas, fui pra Bandeirantes e lá virei apresentador. Eu nunca tinha sido apresentador, nunca tive voz de apresentador. A TV vem do rádio e o rádio tinha essa empostação, a TV passou a ser o rádio com imagem, eu não sabia fazer aquilo, e fui falar do jeito que eu falo, normal. Aí,  começou a dar um resultado de audiência e eu comecei a dizer um pouco do que eu penso, a acrescentar coisas, informações que eu tenho.”

Ainda na Band, anos 90

Depois da Band, Chico passou brevemente pela Record, de onde foi dispensado após defender que a Igreja Católica também deveria ser ouvida no caso do Chute na Santa, episódio que assim ficou conhecido, em 12 de outubro de 1995, quando Sérgio Von Helde, bispo da Igreja Universal chutou uma imagem de Nossa Senhora. Em razão da grande repercussão negativa do fato, Edir Macedo mandou colocar no seu noticiário de rede um esclarecimento da Igreja Universal, mas Chico, apresentador e também diretor de Jornalismo da casa na época, disse que só exibiria a palavra da Universal se os católicos pudessem se manifestar também.

Na queda de braço da fé, acabou demitido. Anos mais tarde, chegou a ganhar um dos helicópteros da Record como pagamento de causa ganha pelo processo aberto contra a emissora, já que seu contrato lhe assegurava absoluta liberdade editorial, o que não fora honrado.

A essa altura, já estava de volta à Globo, para onde retornou ainda em 1996, inicialmente como apresentador do “Bom Dia São Paulo”.

Subvertendo regras

“Na Globo, eu pensei: ‘o que eu faço agora?’ Ninguém mexe numa emissora que é líder de audiência há tanto tempo, eu fui meio dona Ivone Lara, (começa a cantarolar) ‘eu vim de lá, eu vim de lá pequenininho, alguém me avisou pra pisar nesse chão devagarinho’. O Evandro (Carlos de Andrade, então diretor de Jornalismo da Globo) e o Amauri (Soares, na época diretor de Jornalismo de São Paulo) queriam mudar um pouco essa linguagem, e ainda no ‘Bom Dia’, a gente começou a fazer algumas brincadeiras.”

“Teve um dia que o Faustão apresentou o ‘Bom Dia’, era aniversário do jornal, e o Faustão não conseguia ler o TP (teleprompter). Ele, irreverente, disse que não conseguia ler. Eu falei: ‘péraí, você que tá em casa, ele falou em ‘TP’, não adianta explicar. O TP só tem um jeito de vocês saberem o que é, queria que esse câmera mostrasse ali o TP’. O cara que dirige o estúdio entrou em parafuso, porque as normas não permitiam que os câmeras se movimentem sem ordem dele, e uma câmera nunca podia mostrar a outra, então quebramos essa regra. E ele não mostrava. Tive que me levantar da cadeira pra ir até o câmera, e quando me levantei, ele se mexeu.”

“Eu faço o que eu acho que é normal, mas nada que eu considere irresponsável ou leviano, falo coisas que agreguem qualidade de conteúdo ou de informação.”

Suave na nave

“No SPTV, já tínhamos mudado muita coisa, tinha o Márcio Canuto falando daquele jeito, virou um marco no jornalismo daquela época. E não dava para abrir o jornal mocorongo, com São Paulo, ao meio-dia, fervendo. Eu abria quase gritando: ‘Graças a Deus, hoje é sexta-feira!’, chamando Globocop e tal. Aí, quando fui apresentar jornal de rede, como é que eu ia ser uma coisa que eu não era o tempo todo no jornal local? Eu sou folguista no ‘JN’, é  claro que não  vou mexer na estrutura do jornal, mas fui apresentar numa sexta-feira e me despedi desse jeito: ‘Graças a Deus hoje é sexta-feira’. Ninguém disse que não pode.”

“Ainda no ‘SPTV’, veio ‘Coragem: hoje é segunda-feira’, que é uma homenagem ao Dom Paulo Evaristo Arns, que sempre dizia isso, e na quarta, que é meio da semana, ficou sendo ‘Suave na Nave’, que eu usei de um boy nosso, o Jonas, que eu trato como ‘o profeta Jonas’. Um dia perguntei a ele: ‘e aí, profeta Jonas?’ E ele me respondeu: ‘Suave na nave’. Tem muita notícia pesada, tem que dar um pouco de leveza ao nosso dia a dia.”

Mineirim

Mas, pergunto a Chico, a mineirice pesa muito para alcançar tamanha informalidade, né não? “É, mineiro é coloquial”, ele concorda. “Mas eu não tenho muito sotaque de mineiro no ar, não, você acha que tenho?” Risos. “Sério, aqui em São Paulo até tem gente que acha que eu sou carioca, por causa do ‘erre'”, acredita.

Na rede

Chico era mais assíduo no Twitter. Recentemente, por recomendação de amigos, desacelerou. A comentários grosseiros, tenta responder com humor: “Chico, vá tomar no cu”, disse-lhe um internauta em seu perfil. “Obrigado, mas lá em casa a gente costuma tomar no copo mesmo”, respondeu. A outro, que o mandou para “a casa do caralho”, disse que nunca havia ido, “mas se você está indicando porque conhece, deve ser bom”.

Sabe que externar opiniões em esfera pública pode lhe render todo tipo de acusação e o preconceito de quem passa a suspeitar das notícias a partir do que ele possa parecer ser, ideologicamente. “Já me chamaram de esquerdopata, de fascista, tem um pouco de tudo.”

Daí porque a única bandeira possível de assumir, neste contexto atual, é a do seu Galo, o Atlético Mineiro, conselheiro que é do clube de BH.

Pergunto se ele tem o hábito de bloquear muita gente na rede de microblogs. “Até que não, até hoje devo ter bloqueado só umas 300 pessoas”.

No Instagram, onde tem mais de 185 mil seguidores, ele avisa que nem entra. As fotos lá publicadas são obra do caçula, Marcelo, de 12 anos, seu terceiro filho com a jornalista Carla Vilhena, que recentemente deixou a Globo.

O futuro da TV

Pergunto o que ele espera do futuro da TV linear, esta que ele faz, com uma grade com horas marcadas para cada programa, e a TV sob demanda, onde o espectador pode escolher quando quer ver alguma atração. O jornalismo e o esporte são de fato os grande pilares da TV do futuro?

“As pessoas ficam preocupadas com o futuro e esquecem de viver o presente, vivem do passado que não volta mais, ficam querendo ver o futuro e esquecem do presente. A coisa tá viva, ela se mexe, ela muda. Hoje bateu um Fernando Pessoa em mim: navegar é preciso, viver não é preciso. O carnaval não é preciso, muitos imprevistos podem acontecer. Fazer prognostico sobre a TV não é preciso, nos dois sentidos da palavra: não tem precisão nem necessidade”.

 

 

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Cristina Padiglione

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