Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Merchandising de coaching na novela das 9 da Globo é denunciado ao Conar

Adriana (Julia Dalavia), Laura (Bella Piero) e Clara (Bianca Bin), quando a menina, após hipnose, lembra-se de ter sido molestada pelo padrasto

O merchandising do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC) na novela “O Outro Lado do Paraíso”, da Globo, rendeu uma denúncia ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), corroborada por uma série de queixas. O processo corre pelo número 58/18. Segundo apurou o TelePadi com o próprio Conar, “a denunciante”, cujo nome o consleho não divulga, alega que houve indução ao entendimento de que um coach pode garantir resultados a um trauma psicológico por meio de hipnose, fazendo “confusão entre atividade de coaching e psicoterapia”.

Ao longo de alguns capítulos que antecederam a revelação de que Laura (Bella Piero) sofreu abusos do padrasto, Vinicius (Flávio Tolezani), Clara (Bianca Bin) procurou saber com a irmã, Adriana (Julia Dalavia) sobre o seu conhecimento de coaching e de que forma ela poderia ajudar Laura a vencer a repulsa ao sexo. Adriana se dispôs a ajudar a vítima, com “técnicas que podem levar” o paciente/cliente “ao lugar desejado” de “forma mais rápida”, e Laura foi convencida a fazer uma espécie de hipnose que a levou ao passado e à memória dos abusos do padrasto quando ela tinha 7, 8 anos.

Imediatamente, o Conselho Federal de Psicologia e outros conselhos regionais, assim como profissionais dos dois ramos – psicologia e coaching – se manifestaram contra a situação, que, soube-se depois, tratava-se de um grande merchandising.

No capítulo levado ao ar no dia 2 deste mês, quando Adriana enumera as maravilhas do coaching e cita o nome do Instituto Brasileiro de Coaching, bem como de seu líder, José Roberto Marques, mencionado pela personagem como “o melhor coach do Brasil”, o final do episódio exibiu nos créditos a informação de que o IBC havia participado daquela edição em caráter de merchandising, ação publicitária paga para ser inserida no meio das cenas.

O Conar ainda não recebeu a notificação de que o IBC foi informado sobre a denúncia, mas, assim que a confirmação do recebimento chegar ao Conselho, uma decisão deverá ser tomada em cerca de 45 dias. A Globo, explicou-nos a assessoria de imprensa do Conar, não é parte processada pelo anúncio, cujo responsável é apenas o anunciante.

Se for condenado, o IBC não poderá mais veicular o anúncio que foi alvo da queixa. Mas o efeito disso será nulo: após a publicação pelo TelePadi de que o caso se tratava de um merchandising, bem como das reclamações de psicólogos e outros coaches (que reconheciam o equívoco das cenas criadas para a novela), a Globo não voltou a mencionar o IBC ou a exibir merchandising da sigla, embora a coach Adriana tenha ido em frente no propósito de ajudar Laura, obtendo êxito com a hipnose proposta.

Como o Conar é uma entidade particular, sem status jurídico, não tem condições de aplicar multas ou sansões de outra espécie. Os veículos, avisados de que houve um problema com aquele anúncio, passam a criar alguma resistência a novas veiculações do anunciante.

Isso é tudo a fazer nessa esfera.

Na ocasião do merchan e das manifestações contrárias às cenas, este noticiário questionou a Globo sobre novas ações e por que a emissora teria aceitado vender um merchandising que envolve saúde mental – caso em que se encaixa o trauma de uma vítima de pedofilia. A emissora limitou-se a responder, por meio de seu departamento de Comunicação, que “a personagem está buscando ajuda, de várias maneiras diferentes, para identificar se e que problema ela tem”.

À pergunta se o autor, Walcyr Carrasco, iria encaminhar a personagem a algum tratamento psiquiátrico ou psicológico, a assessoria de comunicação da Globo informou que “na continuação da trama, a personagem buscará outros tipos de ajuda, inclusive de um terapeuta”, o que ainda não se consumou.

“A manifestação serve como jurisprudência, serve como referência para ações futuras”, informou o assessor do Conar, Eduardo Corrêa. “Se ela for condenada e vier a ser repetida, o Conar dá uma medida disciplinar de sustação, em que, em questão de horas, consegue tirar o comercial do ar”, informou.

Antes que a cena da hipnose fosse ao ar e o próprio merchandising se revelasse, o presidente da Sociedade Latino Americana de Coaching, Sulivan França, acompanhando o desenrolar das definições sobre o ofício, chegou a advertir a Globo sobre os equívocos cometidos em cena por meio de uma carta, em vão. Segundo Marques, o autor do merchandising, nominalmente citado em cena, Carrasco conheceu o IBC e se encantou pelo coaching após fazer o curso no instituto.

O fato é que o IBC não mais foi citado desde o dia 2. Laura já conseguiu honrar sua sede de vingança com um julgamento que condenou o padrasto, já morto na prisão esta semana. E veja que a Justiça, aquela que tarda mas não falha, veio bem mais rápido que a Saúde: a moça ainda não procurou tratamento psiquiátrico para sanar o trauma do passado, mesmo sendo casada com médico e tendo sido incentivada por ele e pelo colega dele, Renato (Rafael Cardoso), também doutor, a se entregar aos métodos do coaching com Adriana.

Na visão do Conselho Federal de Psicologia, a novela presta um “desserviço à população brasileira” com a condução dessa trama.

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Cristina Padiglione

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