As divas morrem aos sábados, roubando a cena do fim de semana
Diva que é diva morre no sábado, de preferência quando o jornal impresso que circulará no domingo já está fechado e resolvido. É uma teoria particular, claro, mas com algum fundamento. Foi assim com Dercy Gonçalves, em 19 de julho de 2008, com Hebe Camargo, em 29 de setembro de 2012, com Marília Pêra em 5 de dezembro de 2015, e neste 3 (quase 4) de março de 2018, com Tônia Carrero.
Neste domingo, quando o assunto predominante poderia ser o Oscar, o mais concorrido prêmio do cinema mundial, Tônia Carrero, que está fora das telas e dos palcos há mais de dez anos, honra a condição de quem brilhou tanto em vida.
José Wilker, que não era diva mas era gigante no cartaz de ator e diretor, também impôs a convocação de expediente extraordinário em um sábado, 5 de abril de 2014.
Marilyn Monroe não se foi num sábado, mas também tomou para si o fim de semana: era domingo, 5 de agosto de 1962, quando a musa se matou. Ainda bem que internet era só ficção científica naquele tempo, o que poupou as pessoas de lerem sobre um milhão de teorias da conspiração, em busca de cliques desenfreados. As teorias não deixariam de vir à tona, por anos a fio após aquela tragédia, mas em ritmo mais vagaroso e maturado do que a insana instantaneidade estimulada pelas redes sociais.
Mesmo com toda a turbulência política vivida no país nos últimos quatro anos, os imprevistos para o fim de semana cabem normalmente ao caderno de Cidades, onde acidentes, fatalidades e rebeliões urbanas expõem seus relatos. Sábado e domingo, afinal, normalmente, não são dias de apreensões da PF nem de operações pirotécnicas coordenadas por governantes – eles sabem que as redações, em esquema de plantão de fim de semana, estão menos providas de profissionais e que a notícia ficará mais bem coberta se o fato for promovido em dia útil.
Nesse mesmo contexto de acontecimentos que disputam cada milímetro de uma primeira página de jornal, de uma capa de revista ou de uma home de portal relevante na internet, parece até que não há estrela ou astro disposto a se despedir deste mundo no meio de semana, quando nossos juízes, legisladores e governantes mal se esforçam para roubar a cena de quem realmente era profissional em atrair holofotes e aplausos (pois é, até isso eles roubam).
Quem já viveu a rotina de uma redação de notícias, seja em veículo impresso, no rádio, TV ou internet, sabe bem como a morte de uma personalidade relevante para a história do país ou do mundo nos desafia a uma verdadeira gincana, levantando dados sobre quem se foi e buscando as palavras mais precisas para contar a história daquele personagem.
Mas nada era mais difícil ao jornalista do que ter de “fazer a repercussão da morte” de alguém. Hoje, com Twitter, Facebook e Instagram, muita gente famosa posta sua homenagem nas redes sociais, o que torna esse constrangimento menos necessário. Mas nem sempre as pessoas que mais interessam expõem seus pêsames na esfera pública, e ainda é preciso procurar uns e outros nessa hora de pesar.
Sou de um tempo em que a repercussão sobre determinada morte dependia visceralmente dos telefonemas que fazíamos em busca de depoimentos sobre o(a) morto(a) ou das nossas visitas aos respectivos velórios para ouvir o que conhecidos e amigos tinham a dizer.
Isso quando a personalidade procurada não era avisada sobre a morte por meio de um repórter que ligava em busca de “repercussão”. Aconteceu quando Fernanda Montenegro recebeu um telefonema da Keila Jimenez, ainda nos idos do “Estadão”, para ouvi-la sobre a partida de Gianfrancesco Guarnieri. Atordoada, Fernanda se disse chocada, pediu um tempo para se recuperar e ligou de volta dali a alguns minutos.
Não é fácil.
Nunca é fácil.
Mas a morte de grandes estrelas aos sábados toma o fim de semana, desafia o expediente dos plantonistas de notícias e, como convém a quem esteve cercado de holofotes em vida, rouba toda a cena.
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