Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

‘Onde Nascem os Fortes’ escancara descasos do poder público no Brasil

Maria ( Alice Wegman ) e Hermano ( Gabriel Leone ) no capítulo 7 de 'Onde Nascem os Fortes'

Com estreia anunciada para 23 de abril, “Onde Nascem os Fortes”, a nova novela das onze da Globo (ou supersérie, como prefere a emissora), traz à tona um Brasil abandonado pelo poder público. A imagem do país onde as pessoas são instigadas a procurar suas próprias soluções para as aflições que lhes atropelam vem embutida nos conflitos provocados pelo desaparecimento de uma pessoa, em romances mal resolvidos e na fé de um povo que já não tem a quem recorrer.

“Eu acho que ‘Onde Nascem os Fortes’ faz uma medida espelhar (ainda que não seja linear, mas um pouco enviesada) com a própria realidade do Brasil hoje”, disse George Moura, que assina a série com Sérgio Goldenberg. “Se a gente pega o Rio de Janeiro com essa intervenção, hoje, enquanto cidadãos, nós procuramos a justiça e não temos resposta, o que devemos fazer? Não temos a resposta, mas a gente quis também investigar isso nessa dramaturgia.”

Moura recebeu o TelePadi com exclusividade em uma ilha de edição nos Estúdios Globo, no Rio, a convite da emissora, ao lado de Goldenberg e de José Luiz Villamarim, o diretor artístico. Quando chego, Villamarim acaba de devorar um almoço trazido até ali naquelas caixinhas de isopor de Delivery, uma imagem bem distante da glamurização que a maioria das pessoas faz a respeito desse pessoal que trabalha na TV.

Tive ainda a oportunidade de assistir a uma compilação de cenas referentes às duas primeiras semanas da série, e digo, sem receio: é uma produção de perder o fôlego. De uma intensidade que só os fortes sabem construir, a nova produção é feita de toda a qualidade propiciada pelo orçamento de uma Globo, vá lá, mas os diálogos e as performances dos atores são de uma condição tão visceral, que o deslumbramento é inevitável.

Estamos falando de uma história que começa com o sumiço de Nonato (Marco Pigossi), irmão gêmeo de Maria (Alice Wegmann). Os dois fazem uma viagem à terra da mãe, a engenheira química Cássia (Patrícia Pillar), em busca de novas trilhas de bicicleta pelo sertão que de certa forma os avizinha – mãe e filhos não moram tão distante dali, estão todos localizados no Nordeste, mas Cássia nunca mais havia voltado ao município de Sertão depois que foi embora. Volta agora para procurar o filho, desaparecido após flertar num bar com Joana (Maeve Jinkins), amante de Pedro Gouveia (Alexandre Nero), empresário do ramo de bentonita e conhecido como “Rei do Sertão”. Gouveia é casado com Rosinete (Débora Bloch) e é pai de Hermano (Gabriel Leone), paleontólogo, por quem  Alice se apaixona.

“E aí, essa filha e essa mãe, cada uma toma um caminho oposto da outra, mas no fundo elas têm o mesmo desejo, de que aquele ente amado volte a estar ao lado delas, porque elas não sabem o que aconteceu.” Cássia, a mãe, há de depositar suas esperanças na mal intencionada ajuda do juiz Ramiro Curió (Fábio Assunção), enquanto a filha está certa de que não deve confiar em mais ninguém e fazer as buscas por conta própria.

Moura segue: “Você vê o que o desaparecimento de uma pessoa vai provocando nas outras. E acho que tem dois movimentos femininos muito fortes, que são a Maria e a mãe, Cássia. Faz mais de 20 anos que ela nunca volta pra esse lugar e ela nunca explica, nem mesmo quando dizem ‘você nunca voltou’. Durante o desaparecimento, ela vai ter que vencer e esse tabu e vai ter que voltar. Ali, a menina mais jovem, mais impetuosa, vai procurar a justiça e não consegue respostas e ela vai embarcar num caminho vertiginoso de buscas. E a mãe, mãe coragem, de fibra, sozinha, que chega naquele ambiente masculino, vai ter apoio do juiz, que é o Ramiro/Fábio Assunção, mas você vai entender que ele é o inimigo do Pedro. Mas a mãe vai pela instituição. A filha vai pelo ímpeto, pela paixão.”

“Até existe o poder público, mas ele serve a lados de parentesco, amizade e tal”, afirma Goldenberg.

Alexandre Nero é o chamado ‘Rei do Sertão’, poderoso empresário da região. Fotos de Estevam Avellar/Divulgação

Moura menciona ainda a maneira como o Brasil vem perdendo seus jovens, “por uma violência que nasce da banalidade, essa banalidade do mal, que Hannah Arendt fala tão lindamente e você vê que isso está ali na esquina, isso custa o futuro desse país, de alguma maneira”. “Um país que não cuida dos jovens, não cuida das suas coisas. Então, a gente queria falar dessas coisas, sempre sabendo, é claro, que  a gente está falando de televisão aberta, que a gente quer se comunicar com o maior número de pessoas, que a gente quer entreter, mas a gente também gosta de fazer refletir e gosta de se desafiar.”

Outro fator que espelha o Brasil real está em Pedro Gouveia. “Ele quer ficar em Sertão, acredita naquele lugar, ele acredita no Brasil”, fala Moura, que continua: “Ele acha que através do trabalho as coisas mudam e as pessoas mudam. No princípio, ele não é apresentado como crápula. Ele tem um casamento, é muito afetuoso com o filho, mas logo no primeiro capítulo ele tem um conflito, que é uma briga de bar, a briga entre o Pedro e o Nonato por causa de Joana. E ali, ele mostra que embora seja aquele pai de família afetuoso, na hora em que contrariam a sua vontade, ele quer se impor de toda forma.”

Resultado busca concepção de épico

Se você sofreu, no melhor sentido, com a minissérie “Amores Roubados” (2015), de 10 capítulos, prepare-se para esquecer todos os seus dramas pessoais enquanto estiver assistindo “Onde Nascem os Fortes”, que conta ainda com direção de Walter Carvalho. É o mesmo time de “Amores Roubados”, que volta ao sertão nordestino, agora entre Paraíba e Piauí, com uma mesma cidade fictícia chamada Sertão e um bom Fagner na trilha sonora (com mais ênfase que da outra vez), pronta para dilacerar corações.

A diferença é que agora teremos 53 capítulos para sofrer. Mas Moura, Goldenberg e Villamarim prometem que teremos momentos de respiro em meio a tanto suspense e dramaticidade.

Villamarim, conhecido por alcançar resultados muito documentais em cenas de ficção (além de “Amores”, pense em “Avenida Brasil”, “O Canto da Sereia” e “Justiça”), busca agora uma oitava acima, como ele mesmo e os autores atestam durante a nossa conversa.

“É uma ópera seca”, define Moura, para usar um termo que o diretor teatral Gerald Thomas costumava aplicar às suas montagens: é como ópera, só que sem a música. “A gente sempre parte de coisas que estão ali”, endossa Villamarim. “Agora, aqui, a gente deu um saltinho de uma oitava acima, uma interpretação um pouco a mais, que o George chama de Ópera Seca. O Cinema Novo fez isso, o Glauber (Rocha) fez isso, com esse caráter operístico”, conclui Villamarim.

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Cristina Padiglione

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