Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

A culpa não é dela: para Maeve Jinkings, ‘Onde Nascem os Fortes’ expõe crise do homem

Maeve Jinking é Joana em 'Onde Nascem os Fortes'

É a sedutora Joana, personagem de Maeve Jinkings, que aparentemente detona o argumento central da nova macrossérie da Globo, “Onde Nascem os Fortes”, que estreia na TV Globo nesta segunda. Mas logo se verá, ainda no primeiro capítulo, que ela está longe de ser apresentada como “culpada” pelo sumiço de Nonato (Marco Pigossi), jovem que flerta com ela num balcão de bar no meio do sertão nordestino, quando é interrompido pela chegada de seu amante, o poderoso Pedro Gouveia (Alexandre Nero).

Em outros tempos, certamente seria vista como “a vagabunda” que causou toda a tragédia que aguarda pela história de George Moura e Sérgio Goldenberg, com direção de José Luiz Villamarim. Hoje, se depender de Maeve, uma convicta defensora do poder feminino, “Onde Nascem os Fortes” há de provocar no espectador uma reflexão sobre “a crise do masculino” e o lugar do homem nesse mundo que hoje trata de valorizar a autoestima da mulher.

“Eu vejo a série como uma narrativa da crise do masculino. É claro que, ainda que seja uma ficção, a gente não tem o poder de consertar o mundo, a gente tá falando de um lugar machista, uma sociedade patriarcal”, disse a atriz ao TelePadi em entrevista por telefone na sexta-feira, quando voltou da última leva de gravações no sertão da Paraíba.

Na cena, Joana a princípio tira algum proveito da situação, mas logo avisa ao rapaz que ele deve tomar seu rumo. Avisado sobre a situação, Nonato não se mostra conformado, e o que vem a seguir é um duelo de forças plenamente masculino.

“Ela se sentiu envaidecida porque estava sendo desejada por dois homens, mas o detonador é a crise masculina”, observa, com razão (o desfecho do 1º capítulo, já disponível na GloboPlay para assinantes, endossa sua percepção). Nesse ponto, a atriz chama a atenção para uma frase que George Moura disse uma vez a Bianca Ramoneda no (infelizmente) extinto “Ofício em Cena”, da GloboNews: o interesse em mostrar o abismo que existe entre o que um personagem pensa que é e o que ele realmente é.

Nonato e Pedro se vêm vítimas dessa armadilha e pagarão as consequências por isso. “Esse Nonato acha que é destemido, ousado, enfrenta, mas não sabe onde está se metendo. O Pedro age na mesma medida. Tudo nasce desse destempero, dessa medida do que é ser homem no mundo, nesse lugar patriarcal, machista”, repete.

Maeve entre Alexandre Nero e o diretor José Luiz Villamarim

A mesma leitura estará presente, avisa Maeve, na relação entre Ramiro (Fábio Assunção – “ele está espetacular”, avisa) e Ramirinho (Jesuíta Barbosa), que faz shows travestido como a Shakira do Sertão, sem que o pai saiba.

Nome requisitado por boa parte dos filmes bacanas que o cinema brasileiro produz nos últimos cinco anos, Maeve Jinkings ainda frequenta pouco os sets de TV. Depois de Domingas, a mulher que começava apanhando do marido e terminava empoderada na novela “A Regra do Jogo” (de João Emanuel Carneiro, em 2016), a atriz ganha de fato um espaço digno dos holofotes centrais em “Onde Nascem os Fortes”, macrossérie de George Moura e Sérgio Goldenberg, com direção de José Luiz Villamarim.

Lágrimas na despedida do sertão

“Onde Nascem os Fortes” estreará com quase todos os seus 53 capítulos já gravados, o que reforça o status de série (em vez de novela) e uma proteção à obra de possíveis tentativas de mudar o rumo da trama ao gosto da audiência quantitativa. Na sexta, quando a equipe gravou suas últimas cenas no Lajedo de Pai Mateus, no mesmo sertão da Paraíba, houve mais uma catarse, como a que cada um teve ao dar de cara com aquele cenário.

“Ontem (quinta-feira), gravamos lá com direção do Walter Carvalho, e todo mundo saiu chorando. Eles (diretores e equipe técnica) ajudam a equipe a entrar nessa célula narrativa juntos, em geral, o ambiente de gravação na TV é muito dispersivo, por ser indústria, essa coisa cotidiana, que tira as pessoas de foco com muita facilidade, e ali tivemos um trabalho permanente para ficarmos inseridos nesse ambiente. O Zé (Villamarim, diretor artístico), a Luíza (Lima, diretora-geral) colocam música no set para provocar o elenco, cobram muita concentração, e ontem (quinta), a gente estava ali no lajedo e eram cenas também mais de capítulos de conclusivos. A gente tinha consciência de que era o último dia daquele espaço e eu fiquei pensando, eu estava gravando uma cena que falava de amor e rompimento e é muito doido porque eu fiquei muito comovida, como estou até agora. O Jesuíta (Barbosa) veio comigo no avião e me confessou que estava muito mexido e comovido com outra cena que fez com Luíza Lima.”

“Durante a cena”, continua Maeve, “eu estava tão emocionada, e quando acabou, o Walter estava chorando, o Irandhir (Santos) estava chorando, a Camila (Márdila) veio falar comigo e choramos muito juntas, olhei pro lado e vi o Seu Zé Alceu, figurante incrível que virou nosso xodó, e choramos de novo.”

Com Camila Márdila na Paraíba. Foto de Guga Millet/Divulgação

Parece óbvio dizer que toda a figuração presente nas cenas do Lajedo, onde Irandhir interpreta um líder religioso, é local. Mas, para o elenco, a convivência com moradores de fato do sertão traz um conhecimento que estudo teórico não dá. “Fui trocar de roupa dentro da van, a Camila estava aos prantos atrás de mim, foi isso o tempo todo, fui até retocar a maquiagem.”

Também faz parte desse contexto de encantamento a ousadia de uma produção que se mete no meio do sertão para mais de sete meses de gravação, entre idas e vindas ao Rio. Cabaceiras, município onde a equipe montou seu QG na região, é um local de difícil acesso para sinais de telefone e internet, o que reforçou a imersão no enredo.

Nascida em Brasília e hoje moradora do Recife, para onde foi atraída pela efervescência do cinema que tem vindo da capital pernambucana, Maeve foi chamada ao Rio pelo diretor José Luiz Villamarim para testar sua performance como Joana. Quando acabou, o diretor já avisou a atriz que sabia que ela tinha a pegada da personagem, dona de um capital erótico que salta aos olhos do espectador.

“Isso é um assunto que me interessa, ainda mais nesse momento super moralista que a gente vive. Acho saudável essa discussão. Esse conservadorismo de alguma forma nasce com a super exploração do corpo feminino no audiovisual, principalmente no cinema. Isso gera uma certa desconfiança com o erotismo feminino, e nessa primavera feminina na qual eu me vejo e me orgulho de fazer parte, me preocupa o discurso moralista, mas também o significado da cena. E então eu me pergunto: ‘Isso eu posso fazer? ‘É da natureza humana?’.”

Em meio à busca por Nonato e ao desespero da irmã e da mãe, a série vai fazendo o público pensar, como diz Maeve, “em  em que grau esse masculino e feminino nos atravessam e nos colocam em armadilhas”. “Na discussão de gêneros e do nosso entendimento, a relação entre Ramiro e Ramirinho mostra o quanto isso é violento, o quanto é nocivo e mortal, voltando a falar do medo do corpo e seus pudores.”

 

‘Onde Nascem os Fortes’
Segundas (22h10), terças, quintas e sextas (23h20), na Globo

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