Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Chefão da Globo, Schroder nega falta de investimento em negros

Dennis Carvalho e Carlos Henrique Schroder. Foto de Céser Alves/Divulgação

Diretor-geral da Globo, Carlos Henrique Schroder conversou com o TelePadi com exclusividade durante o evento de lançamento da nova novela das nove, “Segundo Sol”, nesta terça, dia 8, no Circo Voador, no Rio. Falamos sobre a questão da falta de negros e descendentes em uma produção realizada na Bahia, algo que sempre aconteceu nas novelas e minisséries da casa (vide “Tieta”, “Porto dos Milagres”, “Gabriela”, “O Canto da Sereia”, “Amores Roubados” e outras), mas que só agora mereceu cobrança de setores da sociedade e não só de militâncias e imprensa.

Com 76% de negros ou pardos declarados, a Bahia estará representada na próxima novela das nove por apenas 4 atores desse segmento, entre dezenas de brancos. O chefão da Globo, no entanto, sustenta que a emissora tem buscado permanentemente representar a sociedade, o que passa não só pela questão de raça, mas de minorias de toda ordem, incluindo mulheres – não é que negros ou mulheres sejam minoria na vida real, mas é justamente a inversão dessa proporção nas telas, na política e nos postos profissionais de comando que nos permitem tratar ambos como tal.

Ao seu lado, Dennis Carvalho, diretor artístico de “Segundo Sol”, novela de João Emanuel Carneiro que estreia dia 14, a princípio disse que não gostaria de voltar a falar na questão da falta de negros no folhetim, mas acabou se envolvendo nos argumentos apresentados pelo chefe. Para Dennis, a cobrança que não existia antes e se apresenta agora também tem a ver com a existência de redes sociais, onde debates e polêmicas rapidamente tomam fôlego. Mas, sobretudo, Dennis alega que estamos fazendo “ficção e não documentário”, o que permite algumas licenças.

Na opinião de ambos, por mais que a emissora invista na representatividade, o surgimento de talentos tem de se justificar de modo natural. “O que não pode é forçar a barra”, argumenta Dennis.

Quando começamos a conversar, estávamos eu, Schroder e Dennis. Em questão de dois minutos, dois profissionais da Comunicação da Globo já nos cercavam, incluindo o diretor da área, o publicitário Sérgio Valente, que em alguns momentos interveio para complementar argumentos apresentados pelo chefe e discorrer sobre as várias ações sociais desenvolvidas pela Globo para que a emissora “inspire e seja inspirada” pela vida real.

Mas o papo se esvaziou mesmo quando comecei a perguntar sobre a nova plataforma de streaming do grupo, algo que tem merecido alto investimento para produções inéditas e guarda ainda muito mistério. E isso é assunto para um outro post.

Eis um resumo da nossa conversa sobre negros, representatividade, humor e reflexão, o que passa por temas sociais e posições progressistas.

TelePadi – Há uma percepção de que a emissora investe mais em brancos do que em negros?
Carlos Henrique Schroder – Não, a gente investe em talentos em geral, nós temos uma preocupação com minorias também, nós estamos fazendo oficinas (de atores),  como vão dizer que a gente não investe? Como você acha que fizemos uma novela como ‘Lado a Lado’, por exemplo?

TelePadi – Sim, era uma novela que abordava o fim da escravidão, deveria haver negros, mas o que pareceu, agora, é que se você não puder contar com o Lázaro Ramos, a Taís Araújo ou a Camila Pitanga, não há muitas opções…
Schroder – Não, não, olha para o lado, eu gosto de dar o exemplo do Jornalismo, Olha pro jornalismo. Hoje, temos o Heraldo (Pereira), a Maju (Coutinho), a Glória Maria, vários…
Dennis Carvalho – Isso tem que vir naturalmente.
Schroder – O talento naturalmente vai aparecer.
Dennis – Não vamos forçar a barra. Acho que a Globo tem uma preocupação com isso. E é uma obra de ficção, não é documentário, tem que ter uma licença.
Schroder – O importante é a representação da sociedade, isso é uma questão real. Você consegue ver a representação de várias minorias na tela. Nós temos essa percepção e essa visão, se nós não preenchemos lacunas, algumas é porque a sociedade não nos entregou.

TelePadi – No sentido de que os negros sofrem atrasos em todas as áreas, ainda como resquício da escravidão, é isso que você quer dizer?
Schroder – Mas é um caminho que estamos perseguindo e em vários aspectos, não especificamente de raças, mas de tudo. Por exemplo, diretoras mulheres, autoras…

TelePadi – Autoras não valem como exemplo. As mulheres são precursoras nesse ramo, desde Glória Magadan, passando por Janete Clair, Ivani Ribeiro…
Schroder – Não, mas houve um momento na Globo em que só havia autores. No ano passado, houve uma coincidência que todos as novelas no ar eram de mulheres: às 23h, ‘Os Dias Eram Assim’, da Angela Chaves e Alessandra Pioggi, a Glória (Perez, com ‘A Força do Querer’), ‘Rocky Story’ (Maria Helena Nascimento) e ‘Novo Mundo’ (Thereza Falcão e Alessandro Marson). Agora, aqui em ‘Segundo Sol’, tem a Maria de Médicis como diretora geral…

TelePadi – Chamar a atenção para a diversidade também tem sido um ponto alto do “Tá no Ar”, programa de humor da casa. Por que vai acabar?
Schroder – Quem disse que vai acabar?

TelePadi – Bom, o diretor do programa e os criadores tratam a próxima temporada como a última, em 2019.
Schroder – Desde que…?

TelePadi –Desde que eles apresentem outro projeto na mesma linha, ok, isso foi dito por eles.
Dennis – ‘A Grande Família’ também foi isso: ficaram dez anos falando que ia acabar e não conseguiam encerrar.

TelePadiSim, o Mauricio Farias, que fez ‘A Grande Família’ e é um dos criadores do ‘Tá no Ar’, até menciona ‘A Grande Família’ como parâmetro para entender que o ideal é encerrar o programa antes que ele estacione. Mas o programa tem um tom progressista que parece não contaminar o resto da programação. Por que não estender esse aspecto para o resto da grade?
Schroder – Você tem visto o ‘Zorra’? Isso está bem colocado lá. Observe, eu já te falei isso: a gente já discutiu cada horário. O que é o ‘Sob Pressão’? O que é o ‘Carcereiros’? São discussões profundas. É que o humor tem uma liberdade e um espectro maior, até a aceitação do humor, para usar esse momento, é diferente. Ao humor são permitidas mais coisas, muito mais. Hoje, temos profundas discussões sociais espalhadas ao longo da grade. A gente está ampliando a visão, de um modo que possa inspirar toda a grade, isso vai estar no programa do Bial, fim de noite, madrugada, ou no programa da Fátima, pela manhã.

 

Leia também: Até quando a TV vai reservar aos negros uma espécie de cota?

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