Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Romance atropelou nova malvada favorita (Adriana Esteves) na estreia de ‘Segundo Sol’

Adriana Esteves: poucos segundos em cena para provar que Carminha é página virada

Laureta ficou pouco tempo em cena, mas ditou ensinamentos profundos para toda uma vida a quem quer se dar bem a qualquer custo.

A nova personagem de Adriana Esteves criada pelo mesmo pai de Carminha, o autor João Emanuel Carneiro, barrou no seu camarote a presença do cantor Beto Falcão (Emílio Dantas), agora em baixa, mas autorizou a entrada da namorada dele, Carola (Deborah Secco). Foram as frases que mais valeram o capítulo de estreia.

“Te fiz um favor”, ela disse à aprendiz, sugerindo que largasse aquele looser do namorado. “Aquilo é um encosto”

“Mas eu gosto de Beto”, retrucou a moça.

“Gosta nada. Tu gosta é de grana, money, la plata”.

Carola lhe pede dinheiro emprestado. Está, como depois diz a Remy (Vladimir Brichta) “com o nariz na lama”.

“Sabe muito bem que eu não empresto dinheiro pra ninguém. Se quiser, posso lhe arrumar um trabalho. Tipo aquele que você fazia pra mim antigamente. E a comissão continua a mesma, 30%”, devolveu Laureta.

Carola recusa. “Eu me prometi pra mim mesma que nunca mais ia fazer isso”.

“Quem já fez faz de novo, simples assim”, a cafetina conclui.

Só por aí já temos uma dimensão do que é um bom diálogo, com carpintaria de texto, coisa que fazia muita falta na novela anterior.

Infelizmente, para dar cabo da função muito engessada de primeiro capítulo, o autor teve de dedicar o resto do episódio a todo o enlace de Beto Falcão e sua nova paixão, Luzia (Giovanna Antonelli), no melhor estilo “um amor e uma cabana”.

E não vimos mais Laureta. Pena. Já tenho saudades dela. Quem, nos dias atuais, não quer um malvado de mentirinha pra chamar de seu?

É notável como, em poucos segundos, vemos a megera que tem a voz de Carminha, a cara de Carminha, mas que definitivamente não é Carminha – o eixo do sucesso de “Avenida Brasil”, novela do mesmo autor que não ganhou o Emmy, mas ganhou o mundo: é o produto mais vendido da Globo no exterior de todo o seu catálogo.

Como antecipou João Emanuel, Laureta não é dissimulada. Carminha tinha o público e Max (Marcello Novaes), mais dois personagens, como cúmplices únicos. Laureta já se anuncia de cara como o que é, a todos os personagens da história, sem medo de ser moralmente malvada.

A Carola de Déborah Secco, cuja personagem é discípula de Laureta, tem ainda muito a aprender. Ainda em Salvador, erguendo as  orelhas, pudemos perceber algum esforço seu para pronunciar um acento baiano. É certamente algo muito mais próximo da realidade local do que aquilo que ela fazia na Mooca de “A Próxima Vítima”, quando todos os seus Erres e Esses denunciavam a origem carioca. Ok, vamos dar um desconto, isso já tem 23 anos.

Mas, se na primeira parte do capítulo de “Segundo Sol” Déborah alcançou o êxito de parecer mais baiana que fluminense, a abertura das vogais à moda soteropolitana sumiu no diálogo com Giovanna Antonelli, ao final do episódio, e vimos então Deborah Secco sendo Deborah Secco: olhos arregalados e nem um piscar como expressão máxima de comoção.

João Emanuel acelera sem parecer que acelera. A narrativa urge. Em um capítulo, tivemos a clara dimensão do sucesso que esse Beto Falcão alcançou, do ridículo que acomete a massa diante de uma tragédia com quem nem merecia mais aplausos da multidão, do romance que toma fôlego em poucos dias – uma tradução deliciosa da hipérbole baiana, e só a Bahia é capaz de celebrar sentimentos tão profundos em prazos tão curtos – e das trapaças da ex-namorada para minar o lindo romance de estreia.

Foi síntese suficiente para ganhar o público contra o mal, e é dessa torcida que a audiência abastece a bílis que lhe mantém permanentemente atenta, embora inofensiva. Afinal, personagens fictícios batem, mordem, matam, praticam todos os males para que nós, ao darmos de cara com isso, não o façamos. Assim rezavam Dostoievski e Nelson Rodrigues, só para citar dois gênios, amém.

O início do capítulo, com cenas reais da febre que o axé representou para as ruas da Bahia – e ainda representa – nos anos 90 é uma proeza de Dennis Carvalho, diretor-artístico e diretor-geral de “Segundo Sol”. Logo me remeteu à minissérie “JK”, também assinada por ele, com mixagens de imagens jornalísticas e dramaturgia inédita para a ocasião. O efeito, aos olhos da plateia, é imbatível, carregando já o espectador nos braços para a história a ser contada.

A remixagem da banda Baiana System para a gravação de Cássia Eller de “Segundo Sol”, música de Nando Reis, não ficou ruim. Compreende-se que essa batida, quase eletrônica, remeta ao futuro ofício de Luzia, que logo irá ganhar a vida como DJ na Islândia. Mas, cá para nós, não vi vantagem na nova roupagem. Ainda prefiro a irrepreensível gravação original.

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Cristina Padiglione

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