Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

No ar em ‘Poliana’, no SBT, Rafaela Ferreira dribla com maestria a ditadura do peso

Gordo, quando ganha espaço no entretenimento, em geral tem de ser engraçado.  Quando emagrece, como aconteceu com Leandro Hasssun, sempre tem alguém a questionar se o sujeito não terá perdido a graça. No caso das mulheres, além do quesito humor, existe ainda uma espécie de supervalorização sexual, ou seja: é preciso ser sexy e muito bem resolvida para encontrar um lugar nessa vitrine pautada por padrões muito rigorosos de peso, reforçados pela percepção de que a televisão faz “engordar” 5 quilos todo cidadã que ali bota sua cara.

Aos 29 anos, com trabalhos realizados sempre na seara teen da TV – “Malhação” (Globo), “Rebelde” (Record) e agora na novela “As aventuras de Poliana”, no SBT -, a carioca Rafaela Ferreira não só aprendeu a driblar os estereótipos, como sabe como tirar bom proveito deles.

Entre atender às cobranças de padrão ideal para a TV e preencher os requisitos para papéis de gordinha feliz e bem resolvida, Rafa encontra na segunda opção todas as boas oportunidades que a profissão tem lhe oferecido, e não são poucas. Há três anos, quando precisou fazer uma dieta alimentar em função de um problema de saúde no fígado, perdeu até algumas propostas de trabalho.

“Primeiro porque eu realmente tô de boa, acho meu corpo bonito, sou bem resolvida, e isso faz com que as pessoas esperem isso de mim. Caso eu ficasse magra eu teria que me recolocar, começar uma nova frente de trabalho, mas isso não aconteceu. Em 2015, fiz toda uma dieta, emagreci, mas nunca fiquei magrela, logo depois eu vim para São Paulo”, ela conta ao TelePadi, em uma conversa à beira da Avenida Nove de Julho, no bairro do Itaim.

Nancy, sua personagem no folhetim escrito pela primeira-dama do SBT, Íris Abravanel, já existe no livro que deu origem à trama.

Em cena na novela ‘As Aventuras de Poliana’

 

No teatro, Rafa dá voz a uma personagem de 15 anos, na peça “Existe eu ainda não Encontrei”, com Helena Ranaldi – do inglês Nick Payne, o espetáculo está em cartaz no Teatro Eva Herz e se debruça sobre uma família que faz vista grossa a problemas escancarados no cotidiano. Preocupado em salvar o planeta, o ambientalista George (interpretado por Gustavo Trestini) mal dá atenção à mulher, a professora Fiona (papel de Helena Ranaldi) e a Anna (personagem de Rafa), sua única filha, vítima constante de bullying no colégio.

Rafaela também sofreu bullying na vida pessoal. Quando começou a engordar, lá pelos 8 anos, após a perda do pai, driblou a pressão na escola com certa rapidez, vestindo a camisa que lhe impuseram. Mas, antes, ao ser chamada de “baleia assassina” pelos garotos”, rolou “na porrada” com eles e pediu socorro à mãe. “Minha mãe me disse: ‘olha só, filha, se você parar de bater neles, eles vão te chamar só de baleia'”. Seguiu a dica.

Quando teve de emagrecer por motivos de saúde, Rafa também foi cobrada pelo lado avesso. Após vender a imagem de quem está feliz com seu corpo, mesmo estando fora dos padrões convencionais, foi pressionada a manter as medidas para provar que realmente era feliz.

“Eu precisei emagrecer por saúde, mas eu me sentia cobrada por já ter levantado uma bandeira. Continuo achando legal uma pessoa ser gorda e gostar do jeito que ela é, eu vou gostar de mim independente do jeito que eu estou. É importante a gente conseguir se aceitar como é, independentemente do estado que o nosso corpo está. A gente é muito suscetível.”

Rafaela mudou hábitos alimentares e mantém os medidores de saúde bem controlados, driblando também um dos mais manjados atalhos da gordofobia: a ideia de que todo gordo tem a saúde frágil. Mas é possível estar acima do peso tendo bom colesterol, triglicérides e outros quinhentos nas medidas ideais, como é possível ser magrinho e ter colesterol ruim alto. “Meus níveis são todos controlados, faço atividade física diariamente, faço Pilates e Ioga.”

A atriz fala muito sobre o assunto em seu canal no YouTube, o Fala, Rafa, inclusive sem perder a chance de sugerir dietas não sofríveis e hábitos saudáveis.

Muitas vezes, em cena, Rafa tem de repetir clichês do estereótipo do gordo e mal acredita. “Eu digo: ‘não é possível que eu vou ter que repetir essa ideia de novo!’, mas são coisas que eu mesma, pessoalmente, já superei faz tempo.”

No campo publicitário, a mais cruel seara nesse métier, já trabalhou com itens de uso geral – posto de gasolina, cartão de crédito e outros produtos, mas nada de comida ou bebida, veja que interessante: “Os anunciantes e publicitários não escolhem pessoas gordas para alimentos porque vai gerar a impressão de que o consumo daquilo vai engordar o consumidor. Quando aparece o gordo em propaganda de alimentos ou bebidas é só para honrar o perfil da diversidade, do tipo ‘vamos representar todo mundo’, meio pra ser bacana.”

É melhor do que nada, pondero. “Pois é”, responde Rafa. “A gente vive esse momento do ‘é melhor do que nada'”, conclui, com razão.

A ditadura do peso nos intervalos comerciais e out doors não cede ao rigor do tamanho PP nem na avalanche de comerciais do Dia das Mães, por exemplo, ainda que a maioria das progenitoras esteja mais para o tamanho G do que paras o número de modelagem 38. E fica a pergunta: quantos filhos podem se identificar com a publicidade que trata as mães como modelos de passarela esquálidas?

“Por isso é que cada vez mais essa discussão se abre”, fala nossa entrevistada, endossando a percepção de que boa parte dessa indústria vem buscando uma imagem de maior diversidade. O faturamento gerado pela frustração de não atender aos padrões mais convencionais, no entanto, continua sendo avassalador.

“Quanto dinheiro gera a frustração de não ser o que o padrão dita?”, questiona Rafa. “É a gente estar insatisfeito, e isso não só da mulher, que vai querer comprar remédio para emagrecer, comprar creme pra reduzir barriga, pagar por intervenções estéticas, etc. A indústria é movimentada em cima dessa fragilidade, de existir um padrão que é inatingível, e eu digo isso porque convivo com as meninas padrão, e elas estão se achando gordas, com celulite, o ó do borogodó. E é aí que ganham dinheiro: com remédio, roupa, alimentação, quantas blogueiras fitness ganham dinheiro com isso?”

Para não fugir às expectativas, Rafa também atende ao biotipo do gordo engraçado, mas “não estou dizendo que as pessoas estão me rotulando”. “Só que olhando as produções da TV, em geral, você vê que existe um enquadramento, a televisão trabalha muito com perfil”.

 

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Cristina Padiglione

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