‘Tá Rindo de Quê? Humor e Ditadura’ expõe a arte de rir para não chorar
Essa história de que a ditadura inspira melhor qualidade nas artes só é música para os ouvidos de quem consome, nunca de quem cria o produto. Mesmo assim, o riso provocado durante o regime militar no Brasil produziu farto e variado material para quem quisesse ou não rir.
Claudio Manoel, Álvaro Campos e Alê Braga investigam o humor criado na época da ditadura no documentário “Tá Rindo de Quê? Humor e Ditadura”, que estreia hoje, nos cinemas, infelizmente em poucas salas, como manda a indústria do blockbuster. Como longa-metragem, é mais bacana para ser visto no silêncio da sala escura, mas quem não conseguir alcançar um horário e cinema próximo tem um consolo: o título não vai demorar a chegar no Canal Brasil e na GloboNews, coprodutoras do documentário.
O que é preciso ser dito é que vale a pena parar para ver.
Com depoimentos de Daniel Filho, Boni, Silvio de Abreu, Carmen Verônica, Agildo Ribeiro, Jaguar, Juca Chaves, Ary Toledo, Carlos Alberto de Nóbrega, Benvindo Sequeira, Paulo Cesar Pereio, Evandro Mesquita, Regina Casé, Patrícia Travassos, Hamilton Vaz Pereira e tantos outros, o filme traça um painel da variedade de talentos e criações que desafiaram uma época de muito mau humor.
Ali estão cenas antológicas de Chico Anysio, Jô Soares, Renato Aragão, Mussum, Zacarias e Dedé Santana, Oscarito, Paulo Silvino, Agildo Ribeiro e Paulo Caruso, entre tantos outros, com traços de cartunistas e linhas de criadores que tanto encorajavam a criação da época, tendo a turma do “Pasquim” no topo dessa pirâmide.
Boni, ex-chefão da Globo, conta que a opção, naqueles dias, era fazer um humor mais voltado para o comportamento do que para a política, a fim de driblar a censura. Funcionava bem. Embora o filme não tenha se apegado ao humor nas novelas, e falta na fita um tiquinho que seja de Dias Gomes, sempre é bom lembrar que Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) dizia em “O Bem Amado” boa parte do que os jornais não podiam pronunciar.
Como no humor tudo pode, muito do que não se podia manifestar nos noticiários ou nas rodas de conversa acabava aparecendo nas entrelinhas, nas sublegendas e nas rubricas.
Pena que Renato Aragão e Jô Soares, convidados a falar sobre aqueles dias, não topado gravar seus depoimentos sobre a época, cada um por seus motivos.
Também fazem falta mais cenas com Ronald Golias e Dercy Gonçalves, mas ali estavam dois expoentes de um humor que divertia a plateia, sem incomodar os repressores. A Record, mais uma vez, fez jogo duro para liberar cenas da “Família Trapo” para a Globo (o filme é uma coprodução da Globo Filmes), em alegada reciprocidade de cessões de imagens.
Daniel Filho lembra que toda semana tinha de ir a Brasília para negociar a liberação de programas, como se fosse a criança que fez coisa errada e está sempre implorando pelo perdão dos adultos, pedindo favor.
Boni fala que os donos de TV eram temerosos aos militares por receio de perderem suas concessões.
Benvindo Sequeira recorda que era difícil saber em quem confiar.
E há os preciosos depoimentos de Jaguar para a farta e impensável produção do “Pasquim”, um jornal que reunia Millôr Fernandes, Ziraldo, Ivan Lessa e ele próprio, além de outras cabeças das mais fervilhantes, com o objetivo de driblar a censura. “Tanto cumprimos o nosso objetivo, que em dois meses estávamos todos presos”, lembra ele, rindo.
Em meio a um assunto espinhoso, que costura repressão e censura, o filme consegue nos conduzir a boas gargalhadas e, em fração de segundos, nos reconduzir a reflexões das mais sérias.
A produção do humor no Brasil terá ainda mais dois filmes pelas mãos do mesmo trio. O próximo, “Rindo à Toa”, já está pronto e deve ser exibido ainda este ano em festivais, para depois chegar ao cinema e, mais tarde, à TV. Fica a dica.
Aqui está um trailer como aperitivo.