Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Errei e me penitencio: especulação sobre novela sempre flertou com as fake news

José Loreto (Júnior) e Luz (Marina Ruy Barbosa) em O Sétimo Guardião / Reprodução

Como novela não afeta a Bolsa de Valores nem o dólar, e normalmente não prejudica diretamente a saúde do consumidor, desde que o gênero existe como ímã maior de audiência da nossa TV há um exército de especuladores e pretensos autores de folhetim achando que podem faturar em cima das cenas dos próximos capítulos.

Os capítulos de novelas, aliás, são, desde os tempos do mimeógrafo, um material que vira exercício de suborno entre funcionários da Globo responsáveis por sua impressão e distribuição, de um lado, e  jornalistas ou mercadores de fofocas, de outro.

Nas últimas semanas, a separação de um dos atores da novela “O Sétimo Guardião” (José Loreto) e a suposta participação de seu par na história (Marina Ruy Barbosa) no episódio gerou um sem número de historinhas, algumas tratadas como brincadeira, como o Surubão de Noronha e o dark room dos Estúdios Globo, e outras, com a seriedade que nem os tribunais teriam, pela simples falta de provas ou evidências.

Tivemos uma semana intensa de fofocas, postagens no Instagram por parte do marido que recebeu cartão vermelho e da atriz apontada como bruxa de um problema que não lhe cabia. Isso sem falar nas celebridades que deixaram de segui-la, como se estivéssemos no clubinho da terceira série do Ensino Fundamental, contrariando toda a bandeira feminista que pregam, por atribuir a responsabilidade do marido de uma amiga à colega de elenco dele (sim, é confuso mesmo, e bastante injusto com a moça: ainda que ela tivesse se envolvido com ele, a relação dele com a mulher é um problema só dele).

Quando os fatos começaram a desacelerar, bingo, a ficção, sempre o alvo mais frágil das notícias falsas capazes de atrair grande audiência, passou a ser foco de especulação envolvendo os personagens de Loreto e Marina. Eu mesma embarquei numa notícia falsa, em minha coluna no jornal “Agora São Paulo”, após conversar com duas fontes e constatar que outros sites já “sabiam” do spoiler em questão: Júnior, personagem de Loreto, morreria afogado na fonte.

Uma semana antes, o próprio autor da novela, Aguinaldo Silva, havia me dito que não mataria o personagem nem afastaria Loreto da novela. Fui questioná-lo já então com uma pilha de gente me pressionando por esse desfecho. Era quase uma torcida tornando essa suposta solução mais um capítulo saboroso dos bastidores. Por essa torcida, o autor tomaria as dores de Marina, com quem efetivamente posou nas redes sociais, na hora em que a coisa toda estourou, ratificando seu afeto por ela.

Aguinaldo Silva, e Marina: foto publicada nas redes sociais do autor

Poucos dias depois, com Bruno Gagliasso internado para resolver uma crise renal, o autor teve de reescrever várias cenas, e pareceu-me então que a notícia sobre o afogamento de Júnior poderia ter mudado seus planos de não afastá-lo. Em que medida isso seria necessário, nem eu sei, mas sabia que havia uma alteração de script em função do galã doente. Não era. Nunca foi. A fonte secará, me disse Aguinaldo, não sem antes me alertar sobre estar mal informada: Ancelmo Góis, de “O Globo”, já teria anunciado isso, “e é verdade”, disse ele, num pito elegante ao meu fora.

O mapa das entradas da fonte, que cairia nas mãos de Júnior (Loreto), como eu informava na coluna, já havia sido lido por Luz (Marina) uma semana antes, o que também denunciaria que eu não vejo a novela, como me apontou o autor. De fato, é impossível ver tudo todos os dias, ou então, não escreveríamos nem dormiríamos ou comeríamos, mas se foi tocar num assunto, o mínimo que tenho a fazer é a lição de casa, tomando ciência do pé em que a novela está. Admiti a barriga (um fora, no jargão jornalístico), botei meu rabo entre as pernas e me desculpei pelo erro.

Recebi elogios de leitores, como se isso não fosse o mínimo a se esperar diante de um equívoco. Mas não é comum, ou não na área a que me dedico. Em geral (com algumas exceções), colegas que erram spoilers de séries e novelas não se corrigem como se tivessem errado, mas sempre como se “o autor” tivesse “mudado de ideia”, o que é divertido, visto que o erro não representa responsabilidade alguma para quem escreve ou para quem lê a notícia, a não ser a raiva do leitor enganado.

Para quem cria a história, é um inferno, vamos reconhecer. Na melhor das hipóteses, desperta curiosidade no público e algum suspense, visto que as pistas falsas são tantas, que as pessoas se sentem atraídas a conferir as notícias e capas de revistas que acertam ou não.

Na indústria dos cliques, essa tentação de contar uma história mirabolante no lugar do autor original é prejudicial ao exercício da profissão jornalística, que anda mal, mas ainda existe e persiste nos seus propósitos de precisão, principalmente neste momento de fake news em todos os campos, e não só na ficção. Novela, afinal, não é Bolsa de Valores, não é ministério da Fazenda, mas é coisa séria: movimenta milhões em dinheiro, emprega milhares de profissionais e seduz outros milhões de pessoas.

Por fim, Aguinaldo confidenciou que pretende matar um dos dois galãs (Loreto ou Gagliasso), mas só no último capítulo. “E ainda não decidi quem”, informou.

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Cristina Padiglione

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