Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Nova série da Netflix revisita Bossa Nova com olhar atual

Maria Casadevall, a protagonista, e Leandro Lima, uma junção de Tom Jobim com João Gilberto / Reprodução

Com estreia anunciada para esta sexta-feira, 22 de março, “Coisa Mais Linda”, nova produção nacional da Netflix, revisita um período recente do Brasil, coisa de seis décadas atrás, mas que nos parecerá infinitamente distante.
Ao eleger o ano de 1958 como ponto de partida para a história de uma personagem que é traída e roubada pelo marido, os criadores miraram um país ainda deslumbrado com sua primeira vitória num mundial de futebol e encantado com os acordes de Tom Jobim e João Gilberto, naquela batida que só se poderia chamar de uma bossa muito nova.
Mas nem Tom nem João nem Vinicius são nominalmente citados no enredo, embora possamos enxergar não só os dois, mas outras figuras da época, mescladas em personagens fictícios que ali desfilam por sete episódios de uma hora cada.
Com produção da Pródigo Filmes, a série revisita manifestações feministas ainda isoladas e vasculha a rica produção musical da época, fazendo uma conexão com o momento atual, tanto na questão da música como no aspecto comportamental.

“A gente achou limitador parecer só Bossa Nova”, disse o diretor-geral, Caíque Ortiz, em uma rodada de entrevistas promovida pela Netflix na semana passada. “A gente pode ser libertado de uma época e fazer uma homenagem à música brasileira. O terceiro episódio acaba com Cazuza cantando Cartola”, cita o diretor, para mencionar uma figura que não pertence à época. “A nossa história se passa em 59. Se tem música no palco não vai ter uma batida eletrônica, é claro, tem que remeter à época. Mas, para achar as músicas, procuramos artistas como se fossem os herdeiros daquela Bossa Nova”, completa.
Com ajuda do compositor e músico João Erbetta, conta Ortiz, a equipe entrou em contato com um repertório tratado como uma espécie de nova Bossa Nova, feita por jovens mineiros.

Para desenvolver a ideia inicial, Ortiz, mais os diretores Júlia Rezende e os roteiristas e produtores Giuliano Cedroni, Heather Roth e Beto Gauss devoraram os livros de Ruy Castro “Chega de Saudade” e “A Noite do Meu Bem”, impostos também ao elenco. Era um mergulho inicial naquele universo, onde cabia também a leitura de um terceiro livro do mesmo biógrafo: “O Anjo Pornográfico”, sobre Nelson Rodrigues, outra figura expoente da época.
“Também vi muito Fellini, fui lá no Cinema Novo ver como era esse universo de as pessoas dançando e fumando muito, com um jeito específico de fumar, de beber, como era esse jeito de se mexer dentro de cena”, fala Ortiz. “É, e da nouvelle vague, de Truffaut, de Godard”, completa Júlia, enfileirando cineastas que nos brindaram com um recorte glamouroso e denso daquele dias.

A escalação do elenco foi outra missão particular: era preciso encontrar atores que tivessem uma mínima noção musical, para tocar algum instrumento ou cantar. Leandro Lima, chamado como Chico em cena, tem a inquietude musical que perseguiu João Gilberto na busca pela perfeição, mas a beleza de Tom Jobim.

Assim como hoje muita gente tem a percepção de que estamos emburrecendo ou dando uma “guinada tão violenta à ignorância”, como bem disse Jô Soares na 31ª edição do Prêmio Shell de Teatro, nesta terça, o fim dos anos 1950 apontava para um momento promissor. No Rio de Janeiro em que nasciam os acordes de “Chega de Saudade”, então, era latente a atmosfera de um Brasil cheio de apetite por repertório, justamente na contramão de hoje.
Dito assim, “Coisa Mais Linda” pode até aumentar a frustração de quem já está desanimado com as perspectivas atuais, mas, sendo mais otimista, quem sabe não serve de antídoto aos discursos “rasos como pires” (para usar aqui uma expressão rodriguiana)?

Por mais antagônico que pareça esse ontem ao hoje, há uma comunicação conectando as duas pontas, o que se estende da música à questão feminista, à época ainda não chamada assim. “Era mais a opção de se libertar dos homens e decidir sobre as próprias vidas do que um movimento”, arrisca Júlia, que continua: “São jornadas individuais ainda , cada uma buscando viver da sua própria história. Tem o que a gente hoje chama de ‘sororidade’, tem um apoio mútuo, tem uma parceria, tem uma batalhar pelo bem estar da outra, mas isso não era ainda organizado.”

É por isso que o espectador não encontrará, em nenhum diálogo ou pensamento ou legenda, a palavra “feminismo”.
“Esse foi o grande fio delicado”, continua Cedroni. “O propósito era apresentar mulheres fortes, as sementes desse feminismo, mas a gente não queria ser óbvio nem ativista nem levantar bandeira porque não era assim.”
“A gente ouviu Nara Leão e leu Danuza”, emendou Ortiz.
Durante todo o processo de produção de texto da sala de roteiristas, a equipe contou com uma pesquisadora que os abastecia com informações sobre todo tipo de comportamento da época.

Confira o trailer da série:

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Cristina Padiglione

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