‘Sob Pressão’ volta a bater um bolão com o noticiário
Por uma feliz (na verdade, infeliz) coincidência, a série “Sob Pressão” mais uma vez estará jogando holofotes sobre questões que o noticiário acaba banalizando, tamanha é a reincidência de determinados problemas no Brasil.
Se na temporada passada o enredo “ficcional” abordou a máfia das próteses como um assunto que norteou os episódios, bem no momento em que um caso similar se desenrolava no extenso repertório de pecados cometidos no governo Sérgio Cabral, no Rio, a nova safra será aberta no dia 2 de maio com um assunto que consumiu a atenção dos brasileiros no ano passado e agora novamente flerta com ameaças de uma reprise: a greve dos caminhoneiros.
Para muito além disso, um desabamento de edifício ocupado por moradia irregular nos espera no sexto episódio, remetendo à tragédia real da semana passada em Muzema, comunidade na zona oeste do Rio. A temporada da vez também escancara as mazelas trazidas pelas milícias e pelo tráfico, sempre levando suas vítimas às mãos da saúde pública e a dilemas de vida ou morte, o que envolve todos nós, sem distinção de classe, cor, idade ou faixa social.
Por isso a série é um achado raro, resultado de uma combinação ainda mais rara, que une entretenimento e utilidade pública, e deixará de prestar um grande serviço se vier de fato a terminar após esta terceira temporada, como informa a Globo.
Para Marjorie Estiano, a doutora Carolina, coprotagonista ao lado de Júlio Andrade, o doutor Evandro, as coincidências não são tão coincidentes assim nem os roteiristas, tão premonitórios. “É que os problemas no Brasil são cíclicos, se repetem e se repetem. Todo dia tem feminicídio, todo dia um caso de abuso, todo dia uma criança ferida pelo tráfico”, cita ela, como exemplo.
Outro caso de semelhança entre noticiário e série foi o episódio em que um transexual quase morre pelo uso de silicone industrial, na TV, em paralelo à morte de uma vítima de verdade do Doutor Bumbum, no Rio.
A falta de gasolina nos postos afeta a ambulância do Samu, onde a doutora Carolina (Marjorie Estiano) e doutor Evandro (Julio Andrade) agora dão expediente. Como um super herói, ele corre de moto até um bloqueio de caminhoneiros e negocia a vinda do caminhão que traz um carregamento de botijões de oxigênio para ajudar o amigo Décio (Bruno Garcia), que atende um hospital onde não há setor de emergência.
Isso é só um episódio.
No sexto, há o desabamento aqui já citado, jogando holofotes sobre moradias irregulares e milícias.
No décimo, rodado em plano sequência, como cinema, de produção mais demorada e trabalhosa, um tribunal do crime se instala no hospital, com os criminosos decidindo quem deve morrer e quem deverá ser salvo.
Durante as gravações da nova temporada, a equipe parou de gravar, algumas vezes na locação que serve de cenário ao novo hospital, em Cascadura, subúrbio do Rio, para esperar que um tiroteio cessasse na vizinhança. Ficção e realidade se cruzam sem fronteiras.
Ao ouvir falar de tudo isso no dia a dia, o espectador acaba se habituando, no pior sentido, a notícias tão ruins, a ponto de já não se incomodar tanto com o que deveria ser primordial. Por isso o público embarca na história ficcional com um envolvimento que o noticiário não permite nem poderia: os personagens dizem verdades que as pessoas não dizem em uma entrevista; as câmeras vasculham cenas que não estão abertas às permissões dadas ao noticiário.
O tom realista alcançado no resultado final só conspira a favor do caráter de utilidade pública trazido pela série. O texto tem embocadura na voz dos atores, a edição não tem arestas, é redondinha, do ângulo e corte de câmeras à sonorização. Detalhista, essa soma resulta em uma obra fácil de provocar o envolvimento da plateia e resgata a empatia perdida pelo massacre de notícias ruins de todo dia.
Com realização da Conspiração Filmes, direção artística de Andrucha Waddington e texto final de Lucas Paraízo, “Sob Pressão” foi idealizada por Jorge Furtado, com base no livro “Sob Pressão – A Rotina de guerra de um médico brasileiro, do médico Márcio Maranhão, consultor da série. Dessa vez, serão 14 episódios, com direção de Mini Kerti, Rebeca Diniz, Pedro Waddington e Julio Andrade, nosso heroi protagonista, que também se entregou ao exercício por trás das câmeras em alguns episódios.
O roteiro é assinado também por Marcio Alemão, André Sirângelo, Claudia Jouvin, Flavio Araújo e Pedro Riguetti.
Drica Moraes encabeça a lista de novos nomes no elenco, em um time que conta ainda com Joana Fomm, Walter Berda, Eliezer Motta, Bruno Ferrari, Neusa Borges, Narjara Turetta, Patrícia Elizardo, Priscila Camargo e Clarice Niskier, entre outros.