Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Com final surpreendente, ‘Game of Thrones’ termina com alerta atemporal sobre ditadores

Bran Stark (Isaac Hempstead-Wrigh): o início, o fim e o meio, como diria a música de Paulo Coelho e Raul Seixas /Reprodução

Atenção, se você ainda não viu o episódio final, não leia esse texto: o spoiler é um crime que não compensa a satisfação de assistir à evolução de um enredo feito por alguém muito mais bem pago que eu.

Nem Daenerys (Emilia Clarke) nem Jon Snow (Kit Harington): o novo dono de um posto que na verdade nem existe mais, já que o dragão derreteu o Trono de Ferro, é de Bran Stark (Isaac Hempstead Wright).

Mas, se Snow não ficou com a coroa, fez a alegria da plateia ao impedir que Daenerys se apossasse do trono de ferro. Ao dizer que ela sempre seria sua rainha e ao admitir seu profundo amor por ela, o mocinho do enredo não deixou de ser mocinho quando lhe enfiou um punhal certeiro no abdome. Foi necessário. Herói que é herói sucumbe ao próprio amor para salvar o mundo, um mundo que ela anunciara, pouco antes, em discurso para o seu povo e seu exército, disposto a ganhar outras fronteiras para além dos sete reinos, inclusive Winterfell, para o espanto de Snow.

(Parêntese: Houve quem visse na ostentação da foice, por parte do exército inflado de Daenerys, uma alusão a  ditaduras de esquerda)

Arya e Tyrion pilham o rapaz contra sua amada. E Snow constata que eles têm razão quando ouve, na sequência de sussurros do que aparentemente se mostra uma reconciliação amorosa entre os dois, que ela, Daenerys, sabe o que é bom para todos. É um diálogo de arrepiar quando ouvido de fora, como é o nosso caso, sobre um reino que não nos diz respeito. Como alguém pode achar que o seu ponto de vista é o “bem”, em contraposição aos demais, ainda mais ouvindo isso de uma mulher que acabara de autorizar a matança de civis inocentes de uma cidade já rendida, de uma guerra já vencida? Qual o conceito de bondade de cada um? Na mesma sequência, Snow fala em “clemência”, termo que ela refuta.

O diálogo é particularmente o ponto alto do último episódio, por expor à contemporaneidade da plateia um pensamento próprio de ditadores, sejam eles de esquerda, direita ou centro, tanto faz. O sujeito que toma exclusivamente seu ponto de vista como referência para os valores que quer impor é inexoravelmente um ditador por natureza. Pior: vemos na loira, mãe dos dragões, a mesma tirana que ela acusava em Cersei, como lhe advertiu Tyrion, um ditador que não se vê como tal, na convicção de que só ele sabe o que é bom para todos.

Transpondo esse texto aos dias de hoje, de ontem ou de amanhã, temos em “Game of Thrones” uma saga absolutamente atual, atemporal, e daí sua genialidade, seu poder de abocanhar multidões pelo mundo todo.

Sempre haverá o tirano que não se vê como tal, na convicção de que sabe o que é bom ou não, sabe quem é um “cidadão de bem” e quais valores devem ser queimados na fogueira.

“You know nothing, Jon Snow”

O bordão dito por sua primeira namorada, “You know nothing, Jon Snow” reverbera nesse fim. Jon Snow nada sabe sobre o amor, sobre o sexo e sobre o poder. Por isso lhe é mais confortável ir viver com os selvagens.

INCLUSÃO SOCIAL

Bran, cadeirante, dispensa qualquer outro trono que não seja sua cadeira de rodas, o que também foi um ponto relevante nesse desfecho: ao mesmo tempo em que a figura feminina perde espaço no poder, com a queda de Daenerys, um outro tipo de inclusão aparece: Bran é sugerido ao posto de rei por outro “aleijado”, para usar um termo citado na série, que é o anão Tyrion (Peter Dinklage), convocado pelo novo rei a ser sua Mão, função que ele já exercia com Daenerys.

A mulher é contemplada pela presença de Brienne (Gwendoline Christie) como guarda pessoal do novo rei e pela manutenção de independência do Norte, solicitada por Sansa Stark (Sophie Turner), eleita nova rainha do pedaço.

Enquanto isso, Bran, o personagem que puxou o primeiríssimo suspense da série, ao fim do primeiro episódio, quando foi empurrado da janela de um penhasco pelo então impiedoso Jamie Lannister (Nikolaj Coster Waldy), ao menos não rejeita a missão, como Jon Snow, nosso (e de boa parte dos personagens pensantes) predileto ao cargo acabou por fazer, dizendo sempre que não queria ser rei.

 

E o melhor tweet da série, ou o melhor que li, vem de Alberto Pereira Jr., quando Arya diz que quer descobrir o que há além do oeste do mapa dos Sete Reinos, onde o desenho acaba.

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Cristina Padiglione

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