Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Pedro Cardoso: ‘Odeio trabalhar para o YouTube. Prefiro trabalhar para a Globo’

O ator contou ao Pãnico que está em adiantada negociação com uma plataforma de streaming/Reprodução

Nesses tempos polarizados em que o amarelo faz questão de xingar o azul e vice-versa, Pedro Cardoso deu uma aula de civilidade e argumentações no Pânico, da rádio Jovem Pan, há coisa de poucos dias.

Para o ator, que contou estar em avançada negociação com uma plataforma de streaming para um novo projeto, “quando você não gosta de quem pensa diferente de você é porque você está inseguro com o seu próprio pensamento” e “não consegue amar as diferenças”. Opositor do governo de Jair Bolsonaro, o Agostinho da “Grande Família” (não há como resistir a esse vínculo) diz que só quer se engajar em “uma conversa positiva”. “Fui treinado a não tolerar o intolerante, eu ofereço a minha mão. Agora mesmo vou almoçar com um eleitor de Jair Bolsonaro, um grande amigo”.

Quando deixou a Globo, há coisa de dois anos, Cardoso disse que não interessava à emissora ter profissionais que concentrassem poder e autonomia, o que poderia explicar a falta de interesse da emissora para os seus projetos. Nem por isso, fez questão de explicar, sua relação com a emissora foi ou é ruim. Ao retomar esse tema, o ator citou como exemplo de autonomia o sucesso que o Porta dos Fundos só alcançou fora da Globo, mas disse que ainda prefere trabalhar para a Globo a trabalhar para o Google.

“O grande exemplo pra mim é o Porta dos Fundos: aquelas pessoas estavam ali na Globo e a Globo não teve estrutura para eles trabalharem com a liberdade que o outro patrão, que é um patrão desinteressado de tudo, que é o Google, teve. O Google entendeu que ele não precisa controlar o seu conteúdo, mas ele só paga você se ele antes fizer você ganhar o dinheiro. Isso é uma inversão muito louca porque a Globo garantia pra mim o dinheiro e comprava com isso a minha autonomia. O YouTube não me paga nada, aí me dá total autonomia. Se eu der dinheiro pra ele, ele me dá uma parte que eu jamais vou saber qual é. Eu odeio trabalhar pro Youtube.  Eu prefiro trabalhar pra Globo, eu prefiro negociar com a Globo a minha liberdade e o meu salário do que trabalhar pra um patrão que não me conhece pelo nome, que não sabe quem eu sou, que não tem nenhum interesse pelo país onde eu vivo.”

Pouco antes de concluir esse raciocínio, ele explicou o caminho trilhado nas suas relações de trabalho, a partir da trajetória na Globo e das mudanças nessa indústria.

“Eu trabalhei na Globo por 35 anos, tive uma relação excepcional. Fiquei no ar quinze anos, quase, com ‘A Grande Família’. Eu trabalhava com uma liberdade rara de se encontrar. Enquanto há uma coincidência do interesse econômico do empregador e do interesse artístico do empregado, as coisas funcionam muito  bem e eu não cheguei a ter com a Globo uma divergência artística. A interrupção da minha relação com a Globo se deu, eu acredito, por decisões administrativas: houve uma mudança no mercado, chegou um momento em que eu tinha um salário muito alto.”

Emílio Surita, apresentador do Pânico, retoma então a questão sobre ideias que ele apresentou à emissora e foram recusadas: “Você levou projetos e a Globo não aproveitou nenhum projeto, foi isso?. E aí você tinha falado, se eu não estou como o [Sergio] Moro, me esquecendo do passado, que a filosofia da empresa agora não era dar voz a atores porque eles iam se tornar muito grandes”.

Pedro Cardoso responde: “O ator tem muito poder porque é quem o público reconhece, o trabalho de várias pessoas, o trabalho de 100 pessoas, para o público, é o ator. As estruturas administrativas tendem a tirar poder de quem tem. Então, a Globo, e não só a Globo, se eu chegar com um projeto no SBT, na Record, na RedeTV!, em qualquer  lugar, vão querer botar um diretor em cima de mim. Um homem como Chico Anysio, por exemplo, teria dificuldade hoje de fazer o que ele fez, de ter autonomia total, as estruturas administrativas intuitivamente recusam um pouco alguém que tenha um talento que permite que ele faça a totalidade do trabalho”.

Surita então lhe pergunta se ele “não acha que com essas plataformas” como “Netflix, Amazon, isso vai mudar um pouco” e ele então terá chance de fazer nesse métier o que deixou de fazer na TV Globo. “Eu tenho uma negociação adiantada , não posso falar com quem, com uma empresa dessas”, antecipa o ator. “Tenho muita esperança que essa diversidade de capitais especulativos dentro da cultura brasileira possibilite uma maior democracia. Mas eu ainda cobro muito mais das outras emissoras que concorrem com a Globo, como SBT, Record, RedeTV!. Acho que o empresário brasileiro é muito tímido e acho também que o Brasil é muito grande pra ter uma concentração de produção em Rio e São Paulo. É importante ter produções pelo interior, Goiás, em outros lugares, pra que a diversidade cultural do país seja contemplada no seu negócio.”

Fiel ao propósito de dizer o que pensa, Cardoso acredita que artista tem de dar sua opinião. “Se ela por acaso desagradar algum possível empregador, é passar fome. Porque falar coisas pra agradar o empregador, pra um artista, é a morte.”

Muito respeitado pelos integrantes da mesa, o ator saiu de lá dizendo que sabe que nem todos ali comungam de sua opinião. “Temos afinidades, temos opiniões diferentes, uns mais à direita, outros mais à esquerda, mas eu não xingo ninguém e ninguém me xinga”, concluiu.

Para esses tempos em que qualquer discordância pode virar uma luta medieval, a conversa com Cardoso é uma aula muito útil à tolerância  e ao repertório de quem quer ter opinião. Recomendo ver na íntegra.

Mas digo que perdi a transmissão ao vivo pela rádio, dias atrás, e só recuperei a oportunidade graças ao patrão desinteressado a quem o ator se refere, no caso, o YouTube, espaço que agora dá também ao leitor que aqui ainda não viu a entrevista a chance de resgatar essa prosa.

 

 

 

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