Zorra faz paródia contra o racismo em ‘Preta Woman’
E quando você vê alguém colocando o copo usado nas mãos de uma mulher negra em uma loja bacana, jurando que ela é uma serviçal, quando ela ali é tão consumidora quanto você? Quem nunca testemunhou ou mesmo protagonizou um fora nessas proporções, clara manifestação de racismo?
Usando a canção-tema do filme “Pretty Woman” (“Uma Linda Mulher”), o Zorra, humorístico da Globo, fez uma paródia que mostra uma mulher negra bem vestida e apenas disposta a consumir, sendo tratada como serviçal num cenário de alto consumo.
A letra diz que não “preta woman precisa se arrumar”, mas “não vai adiantar”, pois “o segurança vai seguir”, em menção à recorrente perseguição sofrida por negros em centros de compra (aliás, esta foi uma cena descrita por Seu Jorge na ótima entrevista dada a Gabriel Rigoni, na coluna de Mônica Bergamo, neste domingo, contando que sofre racismo desde que nasceu).
Convém notar que a paródia é cantada por Paulo Vieira, negro recém-chegado ao programa, revelado por Fábio Porchat na Record TV. No ano passado, por ocasião do lançamento da penúltima temporada do “Tá no Ar”, Marcius Melhem, diretor de núcleo de humor da Globo, fora cobrado por repórteres em razão de alguma falta de coerência entre a escassez de negros no elenco dos humorísticos da casa e um conteúdo político e social que já abordava o racismo sem medo de ofender os brancos poderosos (vide a ótima paródia “Branco no Brasil”, que abria a quarta temporada do “Tá no Ar”).
Melhem, endossado por Marcelo Adnet e o diretor Maurício Farias, concordou que era preciso ter mais negros em cena e não se esquivou de admitir a lacuna, mas não eles fariam isso só pra constar: era preciso encontrar bons talentos afro-descendentes.
Eles estão por aí aos montes, só é preciso abrir portas para passar a gerar também a identidade de um humor mais miscigenado, capaz de atrair todas as cores para a tela. É preciso que o negro se veja na TV para saber que aquela é uma possibilidade de ofício para ele. Esse é um quadro que felizmente vem evoluindo.
Além desse esquete, que abre o programa do sábado passado, vale registrar a piada seguinte, Meritocracia na Nau, onde dois remadores (Fernando Caruso e Welder Rodrigues) remam loucamente uma embarcação, como escravos. Ali já não falamos de racismo, mas da tal meritocracia que exclui pelo menos 70% da população brasileira, sem chance real de sair do lugar. Foi outro ponto digno de aplausos desta edição.
Enquanto o personagem de Caruso diz ao outro que ele precisa merecer e aí, sim, chegará a algum lugar melhor na vida, o outro sabe que não há meritocracia que contemple as condições dadas a eles. “Você acha que algum dia a gente vai deixar de ser escravo?”, pergunta Rodrigues. “É claro que vai, o nosso mérito vai libertar a gente!”
Em dado momento, o capitão interrompe o trabalho dos serviçais para relatar que vai anunciar seu sucessor. Caruso se anima com o que pensa ser a chance dada pelo merecimento, mas o capitão logo informa que a coroa será transferida para o seu filho, um sujeito que aparece bêbado para saudar os pobres remadores. E em vez de protestar, ele ainda acha que o capitão está certo porque “está no sangue”. “Você precisa parar de torcer contra”, diz ao outro, frase muito ouvida pelos críticos do Brasil atual.
Confira aqui o vídeo de “Preta Woman”, e já antecipamos a letra abaixo:
Preta Woman
Precisa se arrumar
Preta Woman
Não vai adiantar
Preta Woman
O seguranças vão seguir
Mas ela só quer consumir
Preta Woman
Não trabalha aqui
Preta Woman
Não é pra servir
Preta Woman
Não é pra te agradar
Preta Woman
Não é só sambar
Preta Woman Não é só babá
Preta Woman
Você tem que respeitar
Oooo
Preta Woman