Ao abordar maconha, ‘Pico da Neblina’ expõe hipocrisia e derruba rótulos
A cena que abre “Pico da Neblina”, série que estreia neste domingo, 4, às 21h, pela HBO, expõe o quanto os legisladores do Congresso, em tese dispostos a defender os valores da família e os ditos cidadãos de bem, são aplaudidos pelos rotulados cidadãos do mal, ou seja, aqueles que lucram com a contravenção. A sequência inicial mostra um grupo de traficantes num bar, diante de uma TV que transmite a votação pela legalização da maconha no Congresso. Cada deputado que faz aquele discursinho iniciado com os propósitos de “defender a família, os valores éticos e cristãos e a nação”, antes de cravar o grito do “não” à legalização da erva é esfuziantemente aplaudido pelos espectadores do boteco.
A sequência, lembra Roberto Rios, produtor da HBO Latin American, remete a uma cena da série “Boardwalk Empire”, da mesma HBO, quando os mafiosos de Nova York celebram a proibição ao álcool nos Estados Unidos. Não que a produção gringa tenha pautado os roteiristas da vez, obra realizada pela produtora O2 Filmes, mas a situação é a mesma: alguém sempre há de lucrar muito com a proibição de práticas recorrentes em uma sociedade.
Diretor-geral da série, Quico Meirelles faz questão de dizer que embora o primeiro episódio pareça pender para um apoio à legalização, a série, no conjunto de seus dez episódios, não toma partido na causa, apenas tenta provocar reflexão sobre o tema.
Para a desgraça de Jair Bolsonaro, “Pico da Neblina” não precisou se submeter à aprovação de verba distribuída pela Ancine, a agência de Cinema responsável pela distribuição da verba destinada a produções de TV e cinema, verba esta composta em sua maioria pela contribuição das empresas de telecomunicação, e não exatamente por dinheiro público, como quer fazer crer o presidente.
Em compensação, a HBO fica com a maior parte do lucro e do cartaz de quem é capaz de promover um bom debate sobre o tema: com tradução e dublagem para o inglês e o espanhol, o título já tem entrada garantida em mais de 70 países.
O enredo
Com argumento de Cauê Laratta, que assina o roteiro com Chico Mattoso, Marcelo Starobinas e Mariana Trench,”Pico da Neblina” tem como protagonista Biriba (Luis Navarro), traficante que nunca gostou de vender pó (“não vou vender veneno”, diz ele). Filho de bandido e disposto a escapar das estatísticas de seu ambiente, Biriba incentiva o estudo das sobrinhas e tenta fugir do crime. Com a legalização da erva, decide usar seus conhecimentos para vender o produto dentro da lei, tendo como sócio um de seus clientes, Vini (Daniel Furlan), filhinho de papai que já torrou alguns investimentos em negócios equivocados.
Biriba terá de lidar com as inúmeras armadilhas do mundo dos negócios e o peso do seu passado no tráfico, incluindo a relação com seu melhor amigo Salim (Henrique Santana), que decide continuar na criminalidade.
Henrique, aliás, é um dos 18 atores selecionados por Quico Meirelles e o cineasta Fernando Meirelles entre 2.600 jovens que atenderam a uma convocação na internet para que aspirantes e atores em início de carreira enviassem vídeos caseiros gravados no próprio celular. Um dos requisitos era ter conhecimento sobre o linguajar de rua do cenário da série.
Criado em comunidade da zona Leste, Henrique funcionou informalmente como um consultor de “Pico da Neblina”, apontando eventuais verossimilhanças e enganos nos diálogos e situações apresentadas em cena.
Confira aqui a minha conversa com Roberto Rios, Quico Meirelles, Luís Navarro, Henrique Santana e Daniel Furlan.
A série conta também com participações da atriz e cantora Leilah Moreno e dos atores Teca Pereira, Bruno Giordano, Sabrina Petraglia, Maria Zilda Bethlem.
A produção original da HBO Latin America tem direção geral de Quico Meirelles, que também assina a direção de episódios com Fernando Meirelles, Luis Carone e Rodrigo Pesavento. “Pico da Neblina” é produzida por Luis F. Peraza, Roberto Rios e Eduardo Zaca, da HBO Latin America Originals, e Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck e Fernando Meirelles, da O2 Filmes. O roteiro é de Cauê Laratta, Chico Mattoso, Marcelo Starobinas e Mariana Trench.
