Era do rádio em ‘Filhos da Pátria’ joga luz sobre novas mídias
O rádio chegou ao Brasil na série “Filhos da Pátria”, da Globo, sugando o cérebro de Maria Teresa (Fernanda Torres) e a sua confiança. Toda a informação ali proferida vira verdade absoluta para a matriarca da família Bulhosa, mesmo que cenas da vida real, bem ao pé de sua janela, desmintam a notícia que lhe chega pelas ondas daquela caixa de áudio.
Geraldo (Alexandre Nero), o funcionário público que ainda ensaia algum pudor de honestidade em meio a tantos cacoetes de corrupção, resiste bravamente aos insanos que tomam o novo aparelho como um messias e mantém o hábito da leitura do jornal. Quando seu chefe, Pacheco (Matheus Nachtergaele), e o intendente Matoso (Adriano Garib), numa caricatura da figura do militar, lhe perguntam se ele não ouviu no rádio a organização de uma manifestação popular nas ruas, Geraldo conta que soube do fato pelo jornal, ora ora, cujo exemplar que traz nas mãos é imediatamente alvejado a tiros pelo militar.
Geraldo resiste ao empastelamento do vespertino, prática na qual Matoso diz ter experiência. O funcionário público explica que sem o jornal, o rádio não terá informações a dar, e finge uma intervenção na redação, pedindo ao novo editor-chefe que não lhe deixem sem a sua leitura diária.
Diante das ameaças, jornal e rádio recuam e tratam como boato o que todos testemunharam na véspera: não houve manifestação alguma e o Brasil segue seu rumo na mais santa paz.
Como um jovem hoje diante de uma tela de celular, Maria Teresa não mais desgruda seus ouvidos do novo aparelho. Esquece família e afazeres domésticos. Até libera a empregada doméstica para ir ao morro visitar o padrinho (Sérgio Loroza). Teresa e o filho, Geraldinho (Johnny Massaro), se rendem prontamente a todo anúncio que promete milagres, hipnotizados que estão pelo novo meio de comunicação, como se fossem abduzidos por ETs.
Não há meio mais eficiente de fazer o público refletir do que a comédia. “Filhos da Pátria” joga holofotes sobre o deslumbramento causado pela tecnologia, algo capaz de engolir as pessoas desde sempre, a cada nova invenção.
Os brasileiros que trocaram o jornal pelo rádio de um dia para o outro na série são os incautos que hoje repassam mensagens alarmistas via whatsapp em vez de buscar nos órgãos de informação já conhecidos algum respaldo para o que ali se transmite, reforçando que as fake news invariavelmente vêm acompanhadas de avisos como “repasse sem dó”, ou “isso a Globo não mostra”. Não é gratuita a frase de Pacheco que se derrete por essa tal de “democratização da informação”, já naquele contexto.
Desconfie. E lembre que a cultura do medo sempre é lucrativa para alguém.
O rádio não engoliu o jornal nem foi engolido pela TV, que tampouco suprimiu à presença da internet. Em pelo menos três momentos, o papel da informação foi rediscutido pela sociedade e novos meios de comunicação foram tratados como canibais de seus antecessores. O furor pela novidade atropela valores construídos e conquistados a duras penas, sem que o consumidor se dê conta da inevitável cilada embutida nesse processo de tentativa de substituição de uma mídia por outra.