Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Jorge Fernando botava riso até na melancolia

O diretor e ator Jorge Fernando/Divulgação

Morto na noite deste domingo, aos 64 anos, de parada cardíaca, Jorge Fernando teve participação essencial na consagração do humor pastelão que viria a dominar a faixa da novela das sete da Globo desde “Guerra dos Sexos” (1983), de Silvio de Abreu. As melhores cenas de bolos e tortas na cara da história da telenovela foram filmadas pelas mãos dele, incluindo a clássica sequência entre Fernanda Montenegro e Paulo Autran na mesma “Guerra dos Sexos”.

Foi o grande parceiro de Abreu não só no gênero da comédia, que se estendeu a “Cambalacho” (1986) e “Deus nos Acuda” (1985), mas também nos bons suspenses que pontuaram algum humor na faixa das nove, como “Rainha da Sucata” (1990) e “A Próxima Vítima” (1995), assinando ainda “Vereda Tropical (1984) e “Vira Lata (1996), ambas de Carlos Lombardi, outro autor bom de escracho no horário das 19h.

Esteve em “Que Rei Sou Eu?” (1989), um marco do folhetim brasileiro na TV, de Cassiano Gabus Mendes, de quem dirigiu também “Brega & Chique” (1986), título que endossa o pastelão das sete, com Glória Menezes e Marília Pêra. Outras tantas doses de glacê foram consumidas sob o seu crivo em “Chocolate com Pimenta” (2003), de Walcyr Carrasco, de quem dirigiu também “Alma Gêmea” (2004) e “Êta Mundo Bom” (2016), todas bem sucedidas em audiência.

Jorginho, como sempre foi tratado pelos amigos e colegas de profissão, falava sorrindo e sorria com os olhos, de um azul encantador, capaz de hipnotizar o interlocutor. Chegou à TV como ator, e, mesmo depois de se esmerar na direção, não se esquivava em circular diante das câmeras para alguma participação especial, função que reservava também à sua mãe, Hilda Rabello, divertida como ele.

Fui encontrá-lo ligeiramente melancólico, já, mas ainda assim sorrindo quando falava, durante as primeiras gravações de “Êta Mundo Bom”, no final de 2015, no belíssimo Palácio dos Cedros, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. Já bem mais magro naquela ocasião, tendo retornado ao trabalho após um problema de saúde, dizia que estava fazendo a novela para se divertir e tornar felizes as pessoas que estivessem no set e diante da tela.  Durante a nossa conversa, lamentou a perda de amigos a que ia assistindo, de óbito em óbito, como algo natural para quem vai envelhecendo, mas de um processo sempre doloroso.

Era um dia pouco convidativo para um carioca, tipicamente paulistano, quase quase beirando a garoa. Mas Jorginho, como de costume, vestia bermuda e camiseta. Visto também com frequência metido em regatas, era uma figura naturalmente solar, não importavam as condições de temperatura e pressão a que estivesse submetido.

Pouco tempo depois, em 2016, viria a sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e a atravessar longo período de recuperação. O amigo Silvio de Abreu, diretor do núcleo de teledramaturgia da Globo, quis vê-lo de volta ao set, o melhor centro de recuperação para alguém como ele, que se entretinha com o trabalho, e lhe destinou “Verão 90”, uma produção visivelmente barata na finalização, mas  divertida e estrelada por uma de suas divas mais queridas, a amiga Cláudia Raia.

Foi um sucesso, e ele mais uma vez se esbaldou, ainda bem, porque viria a ser a última de suas muitas novelas.

Sem querer cair no lugar comum, peço licença para dizer que vai bem além do protocolar afirmar aqui que o sujeito se vai, mas sua obra fica. Não é que Jorginho deixe apenas registrados em vídeos os seus feitos. O estilo que imprimiu, seguramente, é uma referência indispensável para quem trabalha e quer trabalhar nessa indústria do audiovisual de produção diária, uma máquina de fazer doidos onde o mínimo a fazer é se divertir, meta que ele certamente cumpriu.

 

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Cristina Padiglione

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