‘Aruanas’ chega à TV aberta no momento em que o desmatamento passa despercebido
Produtora de “Aruanas”, série que estreia nesta terça-feira (28) na Globo, a Maria Farinha Filmes encomendou à Stillingue, empresa especializada em estudos de comportamento e consumo, uma análise das menções ao título nas redes sociais entre janeiro e março deste ano. Os picos de citações à serie aconteceram entre 24 e 25 fevereiro, quando “Aruanas” apareceu no BBB. A boa notícia para Marcos Nisti e Estela Renner, criadores e produtores de “Aruanas”, é que apenas 1,4% dos comentários foram negativos.
É em boa hora que “Aruanas”, série militante pelo meio ambiente, ficcional, mas com elementos bastante reais, desembarca na TV aberta nesta terça-feira (28), logo após a novela das nove. Será o primeiro dia do brasileiro sem o BBB, última diversão que lhe restava após perder novelas inéditas, jogos de futebol e shows musicais ao vivo.
Embora saibamos que a abstinência será forte, vale muito a pena se entregar à história das quatro ativistas ambientais que lutam contra o poder gigantesco de uma mineradora em território amazônico, atingindo floresta, reservas indígenas e o que mais vier pela frente, inclusive a população local, contaminada pela água apodrecida pela interferência da mineradora.
Quando surgiu no Globoplay, serviço de streaming pago da Globo, no ano passado, “Aruanas” encontrou um mundo muito disposto a bater boca pela Amazônia. O título chegou pouco antes de um dos picos de desmatamento da história da região, com pouco caso da administração Bolsonaro e investidores internacionais apontando o dedo para o estrago aqui causado com a conivência do governo -mais que isso, com um negacionismo sobre as próprias causas do aquecimento global.
Agora, enquanto estamos todos ocupados e preocupados com a disseminação do novo coronavírus, vigiando a porta de entrada de casa, outros vilões se aproveitam para assaltar a casa pela porta dos fundos. Afinal, como li nesta terça mesmo na Folha de S.Paulo, “bem resumiu o pesquisador Paulo Moutinho, do Ipam, desmatador não faz home office. O texto analisa dados do Inpe que mostram que o primeiro trimestre deste ano registrou aumento alarmante de 51% de alertas de destruição florestal, na comparação com o mesmo período de 2019. Até 31 de março, foram devastados 796 km² de mata, ante 526 km² nos três primeiros meses de 2019.
No enredo de Estela Renner e Marcos Nisti, com direção de Estela e direção artística de Carlos Manga Jr., “Aruanas” apresenta Taís Araújo, Débora Falabella, Leandra Leal e Tainá Duarte em diferentes posições de militância pela Ong que dá nome à série.
Como escrevi aqui por ocasião do lançamento no GloboPlay, o vilão, na irrepreensível interpretação de Luiz Carlos Vasconcellos, torna as heroínas ainda maiores. Não por acaso, é dele a frase que mais frequenta as chamadas da série -“quem gosta de floresta é índio; povo gosta é de dinheiro e dinheiro não vai faltar”.
Como bom personagem, Miguel tem um ponto muito nobre: o cuidado pessoal e o afeto pela neta, que sofre de paralisia cerebral.
Os conflitos entre as mocinhas também comparecem, alinhavando histórias pessoais de cada uma à bandeira ambiental, causa que pede dedicação digna de sacerdócio e a relegação ao segundo plano de todo o resto na vida de todas.
Produzida pela Maria Farinha Filmes, a série chegou a mais de 120 países por meio da VIMEO, uma plataforma de internet, e, segundo Nisti, foi muito bem recebida por vários organismos internacionais dedicados à luta pela preservação do meio ambiente.
Estela faz questão de ressaltar que conseguiu formar uma equipe com 70% de mulheres, um feito e tanto para a indústria do audiovisual e motivo de orgulho para a diretora, mas ela se emociona sobretudo ao lembrar da comoção que a região amazônica nos vale, por tudo o que representa e pela permanente destruição.
Com confesso interesse em ampliar as vozes de socorro pela salvação da Amazônia, Nisti e Estela evitam falar na polarização que o tema provoca. Os dois preferem enaltecer a boa aceitação que a série teve até aqui.
Abaixo, para quem quiser saber mais, trago outros textos feitos aqui sobre a série, incluindo uma crítica feita após ver os dez capítulos pelo GloboPlay e um texto sobre o trabalho da Natura, patrocinadora da série, na Amazônia, prova concreta de como é possível tornar a região economicamente sustentável, sem minar a galinha dos ovos de ouro.
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