Série do Sesc TV, ‘Envelhecer’ mapeia o desdém denunciado por Migliaccio e Lima Duarte
O Brasil nunca foi um país de tratar bem os seus velhos, como bem disse o ator Flávio Migliaccio em sua despedida, e Lima Duarte, 90 anos, no vídeo em que homenageia o amigo. Agora, na era do novo coronavírus, a sensação de exclusão que aponta para eles não é mera sensação, é risco de morte antecipada mesmo. Quando se começa a falar nas escolhas que um médico tem de fazer diante da lotação de leitos de UTI, e aí não só no Brasil, o idoso passa a ser claramente o segundo, quando não o terceiro plano.
“Envelhecer”, série de Claudia Erthal e Paulo Markun que desembarcou esta semana no SescTV não traz o contexto do novo coronavírus, e é bom que se tenha dimensão do quanto esse cenário já é desanimador no mundo dito normal.
São 13 episódios que abordam os diferentes aspectos do processo de envelhecimento no século 21: Velhice Hoje, Velhice Amanhã, Direitos e Deveres, Envelhecer, O Valor da Experiência, Autonomia, Preconceito, Moradas, Saberes, Ausências, Trabalho, Sexualidade e Finitudes.
O acesso se dá pelo endereço sesctv.org.br, sem custo algum ou necessidade de cadastro.
O programa aborda as dificuldades, preconceitos e possibilidades que os idosos enfrentam para se inserir ou voltar ao mercado de trabalho, sob aspectos como engajamento, autoestima, reinvenção e necessidade econômica. Registra ainda momentos da vida de idosos e suas dinâmicas criativas, entre professores, uma pesquisadora, um artista múltiplo, uma poetisa e um filósofo.
“Há sociedades que entendem o idoso como patrimônio e não um encargo. Mas, há outras que a lógica é deixar a pessoa por conta própria, já que ela não é mais produtiva”, diz o filósofo Mario Sergio Cortella, 65 anos.
Criador do grupo Divertidosos, cujo site teve mais de 150 mil acessos nos últimos cinco anos, Guilherme Gargantini lembra que “hoje uma das piores coisas da velhice é a solidão, porque ela traz muitas lembranças difíceis de lidar”.
E o que esperam eles do fim da vida, uns doentes terminais, outros ainda muito ativos? Segundo a economista Ana Amélia Camarano, 67 anos, o Brasil é um cenário macabro para cuidados de fim de vida das pessoas que morrem no país. E falta sensibilidade com relação às necessidades de cuidados com quem está em sofrimento. “Estudos de 2010 apontam que o Brasil é o 3º pior lugar do mundo para morrer, atrás de Índia e Uganda. Em 2015, porém, o Brasil esteve no 42º lugar e Uganda passou à frente”, diz Ana Amélia no documentário.
No episódio O Valor da Experiência, o foco está na convivência entre gerações distintas e na troca de informações que contribuem para a longevidade, na construção de respeito e na valorização dos idosos.
“Envelhecer é perder o alcance, alguma coisa que emperra. A espontaneidade desaparece e perdemos a visão periférica, a linha do horizonte”, afirma Ivaldo Bertazzo, 69 anos, professor de psicomotricidade na série.
O documentário, todo disponível no site da SescTV para ser visto sob demanda, apresenta personagens muito interessantes em uma gama de tipos que nos permite ter uma dimensão do que é esse processo, de como se preparar para ele e de como arrumar a casa para os velhos do nosso país.
Fácil não é, mas o cenário pode ser bem melhor do que o que temos hoje, a começar pela valorização conceitual da terceira idade entre nós, brasileiros, que tanto maltratamos a memória do país, de nossos costumes e da nossa própria história.