Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Bonner lamenta ódio e uso do filho para atingi-lo: ‘minha quarentena começou em 2018’

William Bonner durante entrevista remota a Pedro Bial

Apresentador do Jornal Nacional, William Bonner não é de dar entrevista, meio por ser cioso daquele papel do jornalista que não deve estar no lugar de entrevistado, meio porque tudo o que diz ganha o gigantismo da voz do Jornal Nacional.

A exceção foi aberta dentro de casa, a Pedro Bial, no fim desta terça-feira (26), pela Globo.

Bonner estava especialmente melancólico, talvez pelo cansaço de um trabalho que tem exigido mais foco, tempo e tolerância para noticiar tantas mortes todos os dias, mas também pelas mais recentes tentativas de golpe em nome de Vinicius, seu filho com Fátima Bernardes. Faz três anos que o rapaz é vítima de ações de estelionato com falcatruas que usam seu nome e CPF.

A entrevista a Bial, feita de modo remoto, foi gravada ainda antes desta terça-feira (26), quando Bonner e a uma das filhas receberam pelo WhatsApp uma mensagem anônima, de um número de Brasília, relacionando vários endereços frequentados pela família e seus CPFs. Era um recado de ameaça ao âncora do JN, na linha “sabemos onde você e seus familiares moram e trabalham”.

Na semana passada, a procura do golpista pelo auxílio de R$ 600 distribuído pela Caixa Econômica aos mais vulneráveis durante a pandemia, em nome de Vinicius, levou Bonner a quebrar o jejum de mais de um ano longe do Twitter. “Agi por instinto, eu sou pai”, explicou. Bonner contou que houve a preocupação em avisar a Caixa para evitar que o golpista sacasse esse dinheiro.

Mas, mesmo não tendo saído nada antes na imprensa sobre o caso do auxílio, alertado pela reportagem do jornal Meia Hora, que procurou o âncora, surgiram vídeos que o acusavam de ter pedido e recebido de fato o auxílio. “Tinha um sujeito chamando meu filho de cafajeste, era de dar engulho”. Vídeos já perguntavam: “E aí, Wiliam Bonner?”

“Que sentido fazia isso, se fui eu que denunciei?” O âncora do JN percebeu então que este material de acusação já estava pronto para ser detonado mesmo antes de ele ir ao Twitter e teve a certeza de que alguém mirou seu filho com o intuito de prejudicá-lo. “Quem faria isso no meio de uma pandemia?”

As ameaças desta terça endossam que ele está certo.

Bonner falou que era odiado há três ou quatro anos pelas mesmas pessoas que hoje o aplaudem, e vice-versa, mas reconheceu que não pode mais apresentar o JN do meio de praça pública, como fez com Bial em 2006 durante a caravana JN, diante da estátua de Padre Cícero, no Ceará, cercado por uma multidão de fiéis. “Você acha que um dia nós poderemos voltar a fazer isso?”, questionou Bial. “Não”, resumiu Bonner, quase secamente, realista para muitos, pessimista para outros.

O editor-chefe do JN contou que desde que entrou em uma padaria, em uma manhã de sábado, e foi xingado por uma cidadã alcoolizada, sentiu-se responsável por estragar o ambiente social e evita sair às ruas, razão pela qual a sua quarentena começou em 2018, embora ele já fuja da necessidade de pegar avião e frequentar aeroportos desde 2016. Para visitar o pai, doente, em São Paulo, passou um ano pegando a via Dutra.

Ao longo do programa, expôs, como nunca se viu, a solidão paradoxal do apresentador do Jornal Nacional, aquele que pouca gente conhece e de quem milhões se sentem tão íntimos, a ponto de lhe responderem “Boa Noite” todos os dias.

O QUE BONNER DISSE?

“A sensação que eu tenho é que se criou toda uma situação exatamente pra tornar muito difícil o trabalho, é mais um passo, mais uma ação pra nos dificultar, pra impedir que o trabalho da imprensa seja feito. E essa intolerância que eu vejo ter surgido não nas ruas, mas no ambiente virtual”
(Sobre a decisão de jornalistas, inclusive da Globo, de não mais comparecer ao chiqueirinho reservado pela presidênbcia da República diante d Palácio do Alvorada, em razão da hostilidade de seguidores de Jair Bolsonaro)

“Eu hoje muito raramente entro em rede social, entro às vezes por dever de ofício, e ainda hoje eu me assusto com a bile, com o ódio que escorre, com as palavras, as palavras mal escritas, palavras cuspidas, mas é um ódio tão intenso que a gente não sabe a que levará. Aí, a gente sai das redes sociais e vai pras ruas e assiste a essa mesma incivilidade nas ruas. Eu tive a oportunidade de experimentar isso especialmente em períodos eleitorais”.

“As minha bochechas mostram que a minha quarentena não começou há dois meses, eu diria que começou no último ano eleitoral, em 2018. Em 2018 a polarização política chegou a um ponto que a minha presença em locais públicos era motivadora de tensões, e e quando eu percebi isso, e percebi de um jeito muito ruim, na farmácia, na padaria, na calçada… Fui verbalmente insultado, desafiado, agredido, em uma padaria no bairro da Lagoa: uma cidadã embriagada se viu no direito não só de me insultar em público e aos brados, mas ela fazia isso a palmo e meio do meu rosto, e eu não posso reagir a uma coisa dessas, tudo o que posso dizer é ‘não faça isso, não faça isso’, e as pessoas em volta num constrangimento atroz, um constrangimento que não tem fjm, e eu, no meu constrangimento, querendo me livrar de uma situação em que eu estou sendo alvo de um insulto, mas olha que maluquice, eu me sinto culpado de estar sendo insultado na frente de outras pessoas e com isso estar estragando dia das outras pessoas.”

“Tem gente hoje me aplaudindo que estava há 2 ou 3 anos me xingando, e pessoas que hoje estão me xingando batiam palmas. Não estou falando só de mim, estou falando de toda uma categoria profissional. Eu tenho consciência de que eu sou o símbolo, o que foi pra nós o nosso querido Cid Moreira,  eu sou hoje pra alguns milhões de brasileiros.”

“Quando meu pai adoeceu e nós percebemos que não ia ter jeito pra ele, ele estava piorando, foi no início de 2016, eu tomei a decisão de ir todos os fins de semana do Rio para São Paulo pra ver meu pai. Só que já era um momento muito difícil, pegar avião naquela época já estava difícil, você corria muito risco, sendo jornalista, de ser alvo de hostilidade e humilhações, então, eu passei o ano todo de 2016 indo pra São Paulo todos os fins de semana de carro. E aí minha mãe adoeceu, descobriu uma diagnóstico, no finalzinho de 2018 e aí eu passei a ir todo fim de semana pra ir ver me minha mãe de carro. Quando ela faleceu, eu e Natasha [sua mulher] estávamos com ela no hospital. Dessa forma, me afeta isso tudo como se fosse uma quarentena e afeta os meus filhos e afeta a todos nós.

“É fora de comparação aquilo que de mais terrível eu já tenha tido que fazer na vida, e eu já cobri coisas muito tristes
(Sobre o noticiário do novo coronavírus)

“Os negacionistas são um perigo porque eles têm hoje um poder de comunicação direta muito maior em redes sociais. Quando se espalha uma informação falsa, ela tem um efeito avassalador. Isso revela a infinitude das possibilidades da  maldade humana. O que você diz de uma pessoa que inventa um boato dando conta de que uma certa vacina mata ou produz um efeito ruim, ou o contrário: alguém que inventa uma informação de um determinado medicamento que esta salvando as pessoas. O que é isso, senão a maldade?”.

 

 

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione