Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Melhor série do ano até aqui, ‘Homens?’ encerra 2ª temporada

Porchat, Logam, Giselle, Louchard e Godoy em cena da 2ª temporda/Divugação

Disposta a plantar no espectador o benefício da dúvida, desafiando conceitos e preconceitos, “Homens?”, série de Fábio Porchat para o canal Comedy Central, encerra nesta terça-feira (2) sua 2ª temporada. Eu atraso, inclusive, em vir aqui avisar que o programa vale muito a pena para pessoas igualmente dispostas a questionar valores humanos de toda espécie, em busca de um mundo mais prazeroso para todos, do afeto ao sexo, da profissão ao ócio, da família à esfera social, incluindo o próprio sexo, afinal, de onde viemos todos nós.

O consolo é que o título está disponível na Amazon, a mais barata das plataformas de streaming, com seus 16 episódios -oito da 1ª e mais oito da 2ª safra. Também é possível recuperar tudo e ver sob demanda pelo site do Comedy Central, desde que o espectador seja assinante de algum pacote de TV que inclua o canal.

Com diálogos bem mais afiados que na 1ª temporada, a nova leva de episódios dá seguimento ao quarteto masculino de amigos que não se vê representado por seus pais ou avós (uma geração orgulhosa pelo machismo ostentado), mas que também não chegou a ser educado sob os signos do feminismo moderno e do respeito à pluralidade de gêneros.

Mesmo hoje, enquanto uma geração de meninas vem crescendo sob o ditado do empoderamento, os meninos parecem melhores que os de ontem, mas ainda são criados com certo descompasso em relação aos novos modos explicitados a elas.

Alexandre, o protagonista vivido por Porchat, continua a manter ótima conversa com seu pênis, representado por Rafael Portugal, um ser com vida e pensamento próprio que muito resiste em aceitar as concepções de respeito e igualdade assimiladas por seu dono. Faz sentido. O pau é aquele que não pensa, é puro instinto, mas o enredo endossa que até os instintos precisam ser revistos -lembrando que estamos falando de animais racionais.

“Meu Deus do céu, essa paudurecência não acaba nunca?”, pergunta Alexandre ao pai, que se descobre impotente e quer colocar uma prótese peniana que mantenha seu membro ereto o tempo todo. “O que isso? Não tem fim essa vontade de comer gente?”, questiona o filho.
“Tem gente, amigo meu, mais velho que eu, que tá comendo menininha mais jovem que você”, responde o pai.
“E daí? Não é competição. Não é olimpíada do Faustão”, rebate Alexandre.

Como se pisassem em ovos, os quatro protagonistas, machos convictos, vão descobrindo novas fronteiras para terrenos onde antes parecia-lhes “perigoso” pisar, como levar a  própria mulher ao suíngue, permitir que a parceira use nele uma dedeira para sexo anal ou aceitar um romance com uma transexual.

O texto não se atém aos conceitos de sexo ou gênero. Contesta a ditadura estética do “normal”, ao questionar o padrão plus size, nada plus, da publicidade, ou a ideia de que mulher casada não faz sexo após os 35 anos ou depois de se tornar mãe.

“A gente precisa de uma gorda que pareça ser gorda, mas não seja gorda”, diz uma publicitária.
“Mas ela é normal, bom, nunca existe normal”, corrige-se Alexandre, também publicitário, diante de uma candidata a um teste para um novo comercial.

Na festa de amigos do colégio, ele revê uma antiga paixão, e os ex-amigos de escola festejam que ele não tenha se casado com ela, pois a moça “embarangou”: “olha a cintura dela”, diz um deles. “Você tem três vezes a cintura dela e não pariu nem uma micose”, responde Alexandre, que quer saber em que momento “todo mundo virou meu tio Otávio”.

Gabriel Louchard faz Pedro, o amigo tetraplégico, que tem vida sexual altamente saudável com a mulher, Mari (Miá Mello).
Gabriel Godoy é Gustavo, o filhinho de papai que se descobre encantado por Natasha (Giselle Batista), peguete de uma suruba com os amigos. Natasha engravidou no fim da primeira temporada, mas não sabia de quem era o filho.
Raphael Logam é Pedrinho, o cara bem-sucedido que vai embora para assumir a sucursal da empresa na Ásia, onde conhece uma trans que se sente completamente mulher. “Se ela se sente mulher, é mulher”, conclui Alexandre.

Assim como o pênis do protagonista, a série toda é contemplada por situações hipotéticas imaginadas por eles e ganham forma física em cena. Fazem parte disso as sequências que tiveram participações especiais hilárias de Christina Rocha e Sérgio Mallandro -ela, que poderia discutir em seu programa a crise conjugal gerada pelo fato de a mulher descobrir que seu marido fez sexo fora de casa sem preservativo, e ele, que propõe a Alexandre entrar em uma das três portas reservadas aos desesperançosos sobre o que a vida lhe reserva.

Convém notar uma preocupação com inclusão, pelas participação de um cadeirante e de um negro no quarteto (Pedro e Pedrinho), cor representada também por uma namorada de Alexandre (Dani/Cintia Rosa) e pelo roommate dele (Gael/Yuri Marçal). Eles são trazidos à cena com uma organicidade que falha muito na vida real, sem que raça ou condição física sejam sublinhadas por cuidados ou descuidados extras.

Outro prazer em apreciar “Homens?” é notar o crescimento de Porchat na arte de amarrar ideias e diálogos em uma série. Reconhecidamente craque na arte dos vídeos do Porta dos Fundos, o humorista se mostra também muito acima da média de seus pares no desenvolvimento de um enredo de oito episódios, algo muito mais complexo.

No início deste ano, Porchat fez um respeitável curso de roteirista em Los Angeles, foco da civilização seriada de TV dos novos tempos, e trouxe uma bagagem que tem feito toda a vantagem na sua maturidade profissional -e pessoal, contrariando um dos bons diálogos de “Homens?”, que atesta, para o deleite da plateia feminina que ali se vê contemplada por uma velha queixa, que “homem não amadurece”.

Mas esta temporada foi escrita ainda antes da imersão de Porchat nas aulas tomadas na Califórnia. Assim, que venha a terceira safra, oxalá, assim que a pandemia acabar, mas agora, sem mais possibilidade de cenas de suíngue (que pena).

Cotação: Excelente *****

 

FICHA TÉCNICA

Homens? – Comédia de Fábio Porchat, com o próprio, no Comedy Central, mais Raphael Logam, Gabriel Godoy e Gabriel Louchard
Último episódio: nesta terça-feira (2), às 22h.
Outros horários

sexta-feira,5 de junho, às 9h15
episódio 7 e 8

na virada de sexta para sábado, 6 de junho, meia-noite
episódio 7 e 8

sábado, 6 de junho, às 17h25
episódio 8

domingo, 7 de junho, às 18h15
episódio 7 e 8

segunda-feira, 08 de junho, às 23h
episódio 8

Ou na Amazon, com as duas temporadas completas, para assinantes da plataforma.
e Comedy Central na internet (comedycentral.com.br) para assinantes de operadoras de TV paga

 

 

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