Sônia Braga estreia nos 70 com histórico de quem rompeu barreiras e peitou a Globo
Muito antes que Rodrigo Santoro ou Wagner Moura ganhassem suas primeiras cenas em outros idiomas, sem falar nos tantos atores brasileiros que tentaram, sem êxito, se cercar de bons agentes para ingressar no mercado internacional de audiovisual, ela já dominava o pedaço.
Muito antes que o feminismo ressuscitasse sob termos como “empoderamento” e a equidade de gêneros ganhasse fôlego na luta por salários iguais entre homens e mulheres no cinema americano, ela já era o único nome brasileiro que representava o seu ofício naquele cenário machista, vinda de um país até então só conhecido no exterior pela Bossa Nova, pelo samba e pelo futebol.
Sônia Braga chega aos 70 neste 8 de junho de 2020 com um histórico muito diferente da maioria de seus pares no momento em que a Globo está encerrando contratos permanentes com grandes estrelas, a fim de aderir ao modelo de remuneração por obra específica. Até nisso Sônia Braga foi pioneira, com décadas de antecedência.
Mais do que não ter dado à Globo a chance de determinar seu futuro, Sônia Braga se tornou para a emissora aquele crush difícil de se conquistar. Depois de ter trocado o Brasil pelos Estados Unidos, ainda nos anos 1980, cansou de ver seu nome cotado para a próxima novela da casa. Passou a ser um sonho frequente de todo autor, nem que fosse para uma pequena participação, mas o cachê não compensava sua vinda e o ônus de abrir mão de outras propostas da TV e do cinema americano.
O dia em que lhe dessem o valor de 30 segundos de um comercial de novela das nove, chegou a dizer, ela poderia pensar na proposta. Por menos não viria. Quando “Dancin’Days” virou hit de novo, pelo canal Viva, reclamou na Justiça de não receber os dividendos justos pela reprise da novela de Gilberto Braga, autor que conseguiu vê-la em cena em uma novela sua em 1999 (“Força de Um Desejo”), quando ela já tinha uma agenda disputada pela indústria norte-americana.
Fez ainda uma participação em “Páginas de Vida” (2006), de Manoel Carlos, além de ter gravado um episódio da série “As Cariocas”, mérito de Daniel Filho, e de “Tapas e Beijos”, em 2011.
Atriz brasileira mais conhecida no exterior, Sônia Braga fez uma lista de títulos produzidos nos EUA, mas também esteve em cena em alguns dos melhores frutos do cinema nacional ao longo de períodos diversos, de “Dona Flor e Seus Dois Maridos” (1976), recordista de bilheteria durante muitos anos entre filmes brasileiros, aos recentes “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019), ambos pelas mãos de Kléber Mendonça.
Paranaense de Maringá, Sônia cresceu sem medo de se posicionar e de arcar com o ônus de quem tem opinião e argumentação para sustentar o que defende. E, de novo, muito antes que fosse necessário alertar que não é possível ficar em cima do muro nesses tempos sombrios que vivemos, ela já dava a cara a tapa.
No lançamento de “Aquarius” no Festival de Cannes, deu voz ao #ForaTemer (e que saudade do tempo em que a gente só pedia #ForaTemer) no tapete vermelho.
Foi ainda aos 14 anos de idade que Sônia entrou no set, pelas mãos do autor Vicente Sesso, em teleteatros e enredos infanto-juvenis no programa “Jardim Encantado”. Aos 17, estreou na peça “O Marido Confundido – George Dandin”. Aos 19, aconteceu de vez na montagem brasileira de “Hair”, onde causou escândalo ao aparecer em cena nua, ainda em 1969.
Foi Ana Maria em “Vila Sésamo”, Dona Flor no cinema e Gabriela na TV, com Armando Bogus como Nacib, e no cinema, onde seu par era ninguém menos que Marcello Mastroiani. É dela uma das cenas recordistas de pedidos de reprise no extinto Vídeo Show, quando a morena escala um telhado para pegar uma pipa, com vestidinho de algodão que acaba por fazer a alegria e a inveja de quem se aglomera lá em baixo para acompanhar a saga da moleca.
Foi Dama do Lotação, adaptação de conto de Nelson Rodrigues, no cinema, foi Mulher-Aranha no filme “O Beijo da Mulher Aranha”, que lhe deu fama internacional, foi Júlia Matos na icônica e moderníssima “Dancin’Days”, onde Glória Pires, novinha de tudo, fazia sua filha. Também vem daquele folhetim de Gilberto Braga a referência mais antiga de uma situação que se tornaria um clássico das novelas: o duelo de unhas e cabelos puxados em briga entre duas mulheres, ali protagonizada com a magistral Joana Fomm.
Sônia esteve na série “Sex and the City”, sucesso da HBO, em “The Cosby Show”, “Empire”, “C.S.I. Miami” e foi também Tieta no cinema. Ninguém viveu mais personagens de Jorge Amado que ela.
E não que isso acrescente algo à condição de grande atriz que é, mas não é por acaso que alguém tão interessante tenha namorado tanta gente interessante, incluindo Robert Redford, crush de dez entre dez mulheres dos anos 1970 a 2000, mais ou menos. Nem é casual que o seu DNA tenha se estendido à sobrinha, Alice Braga, na arte de seduzir plateias mundo afora.
Por uma trajetória corajosa, bem-sucedida e coerente, todos os meus aplausos a Sônia Braga.
No Facebook, a diva deixou a seguinte mensagem, ostentando os fios longos, como sempre, agora brancos, o que para ela representam a liberdade de não mais tingir os cabelos.
VOU COMPLETAR 70 ANOS, mais de 50 deles dedicados à arte – cinema, televisão e uma rápida passagem pelo teatro. Há…
Publicado por Sonia Braga em Sexta-feira, 5 de junho de 2020