‘Sob Pressão – Plantão Covid’ transporta o espectador para a distopia da vida real
Se não fosse uma piada infame, seria o caso de dizer que “Sob Pressão – Plantão Covid” é de tirar o fôlego do espectador. Mas confesso que me peguei prendendo a respiração e congelando em momentos diversos desse primeiro de dois episódios especiais produzidos para levar o olhar da plateia para dentro de um hospital de campanha no ápice da pandemia.
Antes de mais nada, é inviável assistir à produção, ousada iniciativa de todos os envolvidos no projeto, com aquela ideia que tudo ali é só ficção, como fazemos diante de uma dramaturgia que nos toma de emoção, tensiona e amedronta. Antes fosse tudo de mentirinha, mas estamos todos inseridos no contexto em foco, o que nos aproxima da tela de modo assustador, quase tão distópico quanto a situação de confinamento que vivemos de seis meses para cá.
Se a distopia que nos confronta hoje, na vida real, beira a ideia do absurdo, que dirá enxergar um espelho desse mundo invertido em tom de representação?
A dimensão de ficção realista cresce ainda mais quando lembramos que a produção conta com a consultoria permanente de Márcio Maranhão, médico que também atuou na linha de frente do combate ao novo coronavírus na vida real, a ponto de ser infectado por ele, o que também ocorre com o protagonista da série, Evandro, que faz Júlio Andrade se superar no papel. Mas é Marjorie Estiano, na dor de Carolina, quem nos leva ao ápice.
A abordagem é irrepreensível, do texto à direção, passando pela atuação do elenco e pela impressionante verossimilhança cenográfica.
A Globo bancou o risco de enfrentar a rejeição dos negacionistas e não só deles, já que muita gente se exauriu de tanto ouvir falar em Covid e de se afastar de amigos e familiares, trancada em casa há meses.
Foi um risco calculado colocar essa produção no ar em um momento em que tantos recorrem ao escapismo, mas venceu a aposta na emoção como fator capaz de transformar e alertar as pessoas.
Neste primeiro capítulo, vimos o choro dos heróis da série, já conhecidos por nós de outras três temporadas, personagens habituados a salvar vidas que agora sucumbem diante dos sucessivos óbitos, obra de um inimigo desconhecido.
Vimos profissionais da saúde se movimentando como se estivessem em um campo de batalha, como é um hospital de campanha. Vimos o descaso das autoridades públicas mesmo nessas circunstâncias do imponderável, onde alguém pode morrer porque um caminhão descarregou equipamentos mais baratos do que os respiradores comprados e pagos, mas não entregues aos médicos.
Foi um tributo ao exército da saúde sob medida para emocionar e alertar os ainda incrédulos.
Em dias de chamado normal, “Sob Pressão” já traz uma carga de realidade capaz de chacoalhar o mais insensível dos sujeitos. Fora do normal, essa sensação se multiplica e reverbera de modo necessário.
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