Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Legendando: a vantagem do áudio original sobre a dublagem

Marlon Brando e o ônus da dublagem de 'O Poderoso Chefão'

Despertei, involuntariamente, devo dizer, uma revolta que penso ser desproporcional a um comentário feito no último post, quando festejei a boa notícia de ver “This is Us” na Globo, ao alcance de todos, apesar de dublada. Claro, ela só estará ao alcance de todos por ser dublada, mas torço pelo dia em que os brasileiros possam ter a opção de dublagem como secundária, dominando a leitura das legendas e valorizando o áudio original.

Toda a chave da revolta recaiu sobre este ponto: a dublagem. Fui chamada de elitista, e de fato esse posicionamento esbarra no elitismo, mas não sou “contra” a acessibilidade que a dublagem traz à massa e aos deficientes visuais. Já os deficientes auditivos talvez também prefiram as legendas, mas os leitores rebelados justificam que há tecla SAP e Close Caption, coisa que eu mesma não manejo bem. No máximo, revezo, por uma teclinha no controle-remoto da operadora, o áudio original e o dublado, mas Close Caption é recurso com o qual não lido bem, e muita gente que conheço, que mal sabe trocar as sintonias da TV recebida por sinal aberto para a TV recebida por operadora ou streaming, idem.

O comentário tampouco visa ao meu umbigo, como alguns leitores indignados apontaram, até porque, umbigo por umbigo, preciso ser honesta, ainda que sob o risco de reforçar o elitismo, posso ver a série em outras sintonias.

Que me perdoem os dubladores, também atores profissionais, ótimos no Brasil, vá lá, mas o meu zelo é pelo trabalho do ator que estuda meses para viver um papel e analisar cada entonação do que dirá em cena. Aquele áudio, fruto de longos meses de ensaio, será trocado por outras vozes ao redor do mundo em expedientes ligeiros. Os estúdios de dublagem não dão às vozes locais o mesmo tempo que os atores das produções originais tiveram para dar vida àquele mesmo personagem, isto é uma questão de indústria, não de menosprezo aos dubladores. Esse é um ponto objetivo, é fato.

E eu me arrepio a cada vez que vejo uma novela brasileira dublada em outro idioma. Ouvir Beatriz Segall ou Fernanda Montenegro falando em espanhol ou italiano, perdão, reduz demais o valor do texto e de suas atuações. Penso o mesmo sobre Robert De Niro, Jack Nicholson, Daniel Day-Lewis, Maryl Streep, Viola Davis, Denzel Washington, Sofia Loren, etc, etc, etc., ao ouvi-los “falar” com outras vozes.

O áudio, e precisamente a voz do ator, é algo essencial ao valor de um filme e uma série, de modo que, sim, penso que o prejuízo da dublagem é grande para a obra original.

Conheço duas vozes brasileiras que me fazem feliz em dublagens: a de Jerry Lewis, feita por Nelson Batista, e a de Woody Allen, por Elcio Romar. Outras, por melhores que sejam, não evitam, a meu ver, perda de valor sobre a emoção das originais. O trabalho pode ser competente, pode ser ótimo, mas a matriz será superior em 90% das vezes, sendo muito otimista nesse percentual.

Alguém que já assistiu ao “Poderoso Chefão” original e dublado pode acreditar que aquela rouquidão de Marlon Brando e De Niro nada perdeu na dublagem?

Há duas semanas, ao falar sobre a dificuldade de representar sem ver o olho do outro e sem poder expressar sua emoção por trás de máscaras e viseiras protetoras na série “Sob Pressão – Plantão Covid”, Marjorie Estiano lembrou aos jornalistas que a entrevistavam que a voz carrega muito da atuação e esse foi o único recurso, praticamente, usado pelo elenco nas gravações desses episódios especiais.

Recentemente, meu filho teve de assistir ao filme “Menina de Ouro” a pedido da escola, e só o encontrei no YouTube, dublado. É inenarrável a perda que há do original de Clint Eastewood e Hilary Swank nas dublagens. Ele, que nunca tinha visto o filme, adorou, Mas eu sei o quanto se perdeu  do original.

Isso é tudo. Longe de mim ser “contra” dubladores. Apenas sou a favor justamente do valor do ofício que eles representam. Isso não ocorre no caso das animações, onde fica mais fácil seguir o modelo original de acordo com os traços ali desenhados, algo bem diferente de seres humanos.

Em alguns países, a dublagem é obrigatória como ponto de afirmação do idioma. Na Itália, a dublagem ajudou a unificar em torno de uma língua só os vários dialetos distribuídos ao longo da Bota. Houve lá um outro cotexto.

Aqui, a dublagem se firmou como opção a um país com alto índice de analfabetismo, infelizmente, um motivo bem menos nobre.

Aqueles que nem se deram ao trabalho de ler o texto (olha lá o desdém “cultural” pela leitura) apontaram que nem todo mundo é obrigado a saber inglês, o que jamais foi reivindicação nesse contexto, até porque o prazer é ver filmes no som original, sejam eles em russo, alemão ou coreano. Digo de antemão que meu inglês é péssimo, e minha defesa é pelas legendas. Que tragédia assistir a “Cinema Paradiso” falada em qualquer língua que não seja italiano ou mesmo “Capitães de Abril”, que não seja “falado” no português de Portugal, para ficar na mesma língua pátria.

 

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Cristina Padiglione

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