‘A TV Globo está se desfazendo de seu patrimônio’, diz Fagundes
Em entrevista às Páginas Amarelas da revista Veja, Antonio Fagundes, 71 anos, falou sobre o desligamento da emissora após 44 anos de contrato de exclusividade com a emissora. Para o ator, o modelo que vem sendo promovido não só no seu caso, mas de outros colegas com tanto ou mais tempo de casa que ele, é um risco para o patrimônio da empresa.
“A TV Globo está se desfazendo de seu patrimônio e arriscando sua história”, disse o ator à jornalista Sofia Cerqueira.
“Comparando”, continua ele, “é como se um museu que durante décadas expôs a ‘Monalisa’ de repente resolvesse se desfazer justamente dela. Pode ser bom, do ponto de vista administrativo e financeiro, mas corre-se um grande risco. A Globo não é uma fábrica de sapatos, trabalha com arte, emoção e fidelidade. Durante 50 anos, o público assistiu a essas pessoas nessa emissora e tem um carinho especial por elas. É como se a empresa resolvesse esquecer todo o passado e começar o futuro. Pode dar certo, mas também pode não dar.”
Fagundes afirma entender que o seu desligamento não seja por falta de serventia, tanto assim que ele já foi convidado para um dos papéis principais do remake de “Pantanal”, novela de Benedito Ruy Barbosa que ganhará nova leitura na emissora em 2021. Se fechar um contrato por obra certa, ele será o Véio do Rio, papel que foi de Cláudio Marzo na versão original, há 30 anos, pela TV Manchete.
No “Pantanal” da Globo, esse personagem terá um ator diferente de Zé Leôncio, figura que coube ao mesmo Marzo no original e que agora tem como cotado o nome de Marcos Palmeira, o Tadeu da produção original.
Fagundes, no entanto, tem outras propostas que agora passam a disputar lugar com a pretensão da Globo, segundo confirmou à Veja. “São convites não só de outras emissoras, mas também de plataformas de streaming e para fazer cinema”, falou.
À Veja, o ator diz ainda que teme pelo futuro da novela de modo geral. “Na ânsia de renovação, um gênero pode estar sendo destruído. Entre os grandes méritos das telenovelas, estão os personagens aprofundados, as cenas longas, um outro tipo de velocidade. As pessoas paravam para assistir e aquilo lhes fazia bem. Abandonamos essa calma. Agora tem mil acontecimentos. Tudo é mais superficial e as cenas não se concluem.”
A análise do ator sobre o encerramento de longos contratos de estrelas da casa vai ao encontro do que já disse J.B. de Oliveira Sobrinho, o Boni, ex-vice-presidente de Operações da Globo, executivo que participou diretamente da ascensão da emissora e por mais tempo esteve à frente de seu comando. Para Boni, há um grupo de atores que deveria ser tratado como sócio e investidor da TV Globo, pois chegou lá em um tempo de construção de seu império.
“Quando a TV Globo começou, ela teve um ano de incertezas, até que chegamos na TV Globo e evitamos que ela fosse até à falência”, disse Boni ao Programa Sônia Abrão, na RedeTV!, em setembro. “Alguns artistas vieram não por salários milionários, porque não havia dinheiro, eles vieram porque acreditaram em uma ideia, de forma que eles têm que ser tratados de uma forma diferente, tem que haver uma gratidão em relação a esse pessoal, que eu considero investidores, e não contratados da TV Globo. Por outro lado, modernamente, deve-se contratar as pessoas pra fazer um determinado trabalho, como é em Hollywood: contratam-se as pessoas para fazer um filme. A contratação por obra certa é legítima, mas a gratidão é imprescindível”, concluiu o ex-chefão da emissora.
Fagundes, Tarcísio Meira e Glória Menezes encabeçam a lista de nomes que maior comoção causaram entre os contratos encerrados pela Globo. O caso de Miguel Falabella também causou surpresa, já que não era exatamente um profissional sem aproveitamento constante, como acabaram se tornando, por exemplo, Renato Aragão e Vera Fischer.
Em reportagem que fiz para a Folha, soubemos que a emissora tem feito escolhas em favor de investimentos de outra ordem. Foi preciso ampliar o leque de produções para contemplar o volume de uma plataforma de streaming, o GloboPlay, em condições de competir nesse universo novo, onde a Netflix reina.
Também pesou a necessidade de apostar na criação de novos autores, diretores e rostos, em busca de um leque mais diversificado de temáticas, cores e sotaques, considerando relevante o consumo individual de TV e a ansiedade do espectador em se ver representado em sua própria tela.
Enquanto o público lamenta, o mercado do audiovisual brasileiro comemora a chance de ter grandes medalhões disponíveis para filmes e séries. Pena que o momento seja tão cruel no que diz respeito às leis de incentivo regidas pela Ancine, a Agência Nacional de Cinema, pela qual o presidente Jair Bolsonaro não nutre qualquer simpatia.