Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Documentário feito na pandemia reforça que habitação é questão de saúde pública

Imagem do Jardim Grajaú, periferia de São Paulo. Foto: Reprodução

Pelo menos 15 milhões de moradias no Brasil são precárias, para não dizer que estão de fato caindo aos pedaços. Morar mal faz mal à saúde em condições consideradas normais, imagine em meio a uma pandemia. É esse o quadro escancarado pelo documentário “Habitação Social: Questão de Saúde Pública”, filme que nos dá uma boa dimensão do quão essencial é a moradia e de como o Brasil está distante de qualquer modelo minimamente digno nesse universo.

Dirigido por Paulo Markun para o CAU -Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil-, o filme foi feito durante a pandemia e mapeia o drama de quem enfrenta a quarentena nas favelas e comunidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília. A edição vai ao ar no dia 16, quarta-feira, às 23h, na TV Cultura, canal que já esteve sob o comando de Markun quando ele foi presidente da Fundação Padre Anchieta.

Eis aqui um assunto sobre o qual o jornalista já tem largo conhecimento. Markun dirigiu, com Sergio Roizenblit, as séries “Habitar Habitat” 1 e 2 e “Arquiteturas”, tendo se aprofundado inclusive no aspecto antropológico e social do vasto terreno alcançado por arquitetura e urbanismo.

A produção evidencia a precariedade da habitação em várias regiões do país nesses tempos em que o conselho para que as pessoas fiquem em casa significa, para muita gente, pura aglomeração, em geral com rachaduras nas paredes, cheiro de mofo e sem banheiro particular.

O bom é que, até em função de ter tido o olhar de arquitetos sobre o assunto, o filme não se resume a exibir o viés da desgraça, o que a gente já conhece, muito embora aquelas imagens de habitações mal ajambradas sempre nos causem aflição.

Uma série de especialistas explica por que as melhorias são muito mais fáceis e relevantes de serem feitas do que os gastos com novas unidades habitacionais. Muitos moradores não pretendem abandonar a rua ou o bairro onde moram, apenas querem fechar rachaduras, arrumar o esgoto e o encanamento, dar enfim um jeitinho na casa.

Mas as pessoas mal sabem (eu inclusive) que há uma lei em vigor, ainda muito pouco utilizada, que prevê assistência técnica gratuita para reformar essas moradias.

A lei é federal, de número 11.888, e assegura ajuda técnica para a melhoria habitacional das casas de quem não tem recursos para contratar arquitetos, urbanistas ou engenheiros, garantindo que as reformas sigam preceitos técnicos e de qualidade necessários.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo, criado em 2010, tem empenhado esforços e desenvolvido projetos pioneiros nesse sentido.

Um caso exemplar de uma moradora que conseguiu pagar pelo planejamento de sua casa expõe a diferença que um projeto pode fazer em um espaço compacto, sem gastos extraordinários com material de construção.

É preciso também verificar as condições da regularização fundiária, como explica, ao final do filme, a narradora e apresentadora do documentário, Adriana Couto, que interage com os especialistas no ramo por meio de conversas remotas.

“O convívio faz parte da civilização” , lembra Guivaldo Baptista, da Comissão de Ética de Disciplina do CAU. Presidente do conselho, Luciano Guimarães diz que a arquitetura, do ponto de vista do drama da habitação social no país, “tem que ser entendida como política de saúde pública”

Ex-presidente da Codhab no Distrito Federal, Gilson Paranhos explica por que a melhoria de casas precárias é tão mais essencial do que gastar com a construção de unidades novas, do ponto de vista dos gastos públicos com habitação: “Começamos com 8 mil por unidade habitacional”, lembra ele sobre um projeto desenvolvido no DF. “Montamos 14 postos de assistência técnica nos lugares mais necessitados. Essa experiência de estarmos lá nos mostrou que  a única maneira concreta de interferir e dar uma contribuição pra sociedade é estar presente lá dentro. Nós começamos com um investimento de R$ 8 mil por unidade habitacional, conseguimos fazer transformações sérias, contundentes, para as famílias. Passamos pra 13 mil, saímos do governo e esses valores já eram de 15 mil e hoje a Codhab já trabalha com 25 mil por unidade. Com 25 mil por unidade, nós conseguimos fazer uma transformação enorme nessas habitações”.

“Quando a gente analisa o déficit habitacional brasileiro com profundidade, nós vemos que a melhoria habitacional é muito mais importante que a construção de unidades novas”.

O próprio programa Minha Casa Minha Vida, como lembra Luciano Guimarães, foi traçado sem levar em conta o acesso dos moradores a transporte público, postos de saúde, educação e outros atributos do entorno de quem precisa de ajuda para rearranjar seu teto.

“Não podemos entender que só a elite deve ter acesso ao arquiteto porque dessa forma a gente está assumindo que a nossa função é supérflua, dispensável, e não um conhecimento essencial”, ressalta Mariana Estevão, da ONG Arquiteto da Família

Guimarães lembra que “além de um direito, a arquitetura tem de ser entendida como uma necessidade de saúde pública, e por isso, transformada numa política de estado, assim como é o SUS, que atende a população na área da saúde”.

O doc mostra que a coisa é bem menos complexa do que parece e vale como investimento que preveniria uma série de problemas. Qualquer progresso em um assunto tão mal contemplado já representa muita coisa. Vale a pena ser visto.

Habitação Social: Questão de Saúde Pública
Dia 16, às 23h, na TV Cultura.
Direção:PauloMarkun
Apresentação: AdrianaCouto

 

 

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Cristina Padiglione

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