Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Defesa de Marcius Melhem lista 43 pontos para contestar reportagem sobre assédio a Dani Calabresa

Marcius Melhem apresenta outras versões para alguns dos episódios narrados pela revista Piauí / Foto: Divulgação Globo

Em referência às 43 pessoas ouvidas pelo repórter João Batista Jr. na edição 171 da revista Piauí, quase todas mantidas sob anonimato, como ele relata na matéria, o ex-diretor do núcleo de humor da Globo, Marcius Melhem, listou 43 pontos para contestar os episódios, descritos no texto, que confirmariam seu comportamento de assediador sexual.

O blog teve acesso ao documento e questionou a defesa do atore e roteirista por que ele resolveu não dar entrevista à revista quando o repórter o convidou a falar sobre as acusações que lhes eram feitas por supostas vítimas mantidas sob anonimato. Segundo sua assessoria jurídica, as perguntas feitas na ocasião não lhe apresentavam os detalhes da matéria para que ele pudesse contestá-los. Mas na nota enviada à revista na ocasião, ele diz textualmente: “nada do que eu diga sobre fatos distorcidos ou cenas que jamais ocorreram vai mudar esse perfil construído de abusador, quase psicopata”, de modo que alguma noção sobre os relatos citados pela matéria não lhe faltava.

Na reportagem, ele decidiu se manifestar por meio da seguinte resposta, abaixo copiada na íntegra:

“Quando recebi as perguntas da revista Piauí, percebi que a sentença já estava dada. Então, nada que eu diga sobre fatos distorcidos ou cenas que jamais ocorreram vai mudar esse perfil construído de abusador, quase psicopata.
Qualquer pessoa que tenha convivido comigo sabe que eu jamais cometeria algum ato de violência e que nunca forcei ninguém a nada. Mas parece que o único objetivo está sendo bem-sucedido: a minha condenação na opinião pública.
Quero pedir desculpas a pessoas que eu magoei, mas sequer tive o direito de saber quem são elas. O mundo mudou, comportamentos antes naturais estão sendo revistos, e todos precisamos aceitar as consequências de nossos excessos.
Venho há um ano trabalhando esse entendimento e estou disposto a assumir qualquer erro ou dano que tenha causado. Mas é preciso que a conversa seja transparente, sem omissões, mentiras ou distorções sobre as relações. É o que eu vou buscar: justiça.”.

A publicação teve vasta repercussão em outros veículos, inclusive neste blog, que por isso se sente à vontade para agora publicar os argumentos do acusado, e nas redes sociais. Motivou até uma até então inédita manifestação pública da Globo sobre o assunto. A partir do material, em referência irônica à citação de 43 pessoas ouvidas, Melhem listou 43 contestações ao texto, que foram elencadas por seus advogados.

Levei a relação ao conhecimento do repórter João Batista para saber se ele gostaria de rebater os itens ou de  comentá-los. A revista, no entanto, alvo de um processo por danos morais protocolado nesta sexta-feira (15), decidiu que não vai se manifestar por enquanto.

Melhem move ainda ações contra a própria Calabresa, que não respondeu à notificação extrajudicial para confirmar ou negar a matéria, além dos humoristas Rafinha Bastos, Danilo Gentili e Marcos Veras, e o influenciador Felipe Castanhari, todos por reações nas redes sociais que ele considerou ofensivas.

Aqui, a reportagem completa da Piauí, e abaixo, as contestações de Melhem, descritas por seus advogados, principalmente em relação à festa de 2017 onde Dani Calabresa, atriz que puxa as demais denúncias de assédio sexual contra ele, teria se sentido perturbada com o comportamento do chefe:

 

1 – “A cabeça por trás das mudanças era Marcius Melhem, diretor, ator e roteirista…”

Poderia-se dizer que o erro dessa frase é que tinham muitas cabeças por trás dessa reformulação, sobretudo Maurício Farias, diretor artístico e criador do novo formato junto Melhem. Poderíamos citar Gabriela Amaral e Celso Taddei, redatores finais com ele. Mas para não ficar no subjetivo basta dizer que até ali Melhem nunca tinha sido “diretor” na Globo.

2 – “Naquele 5 de novembro de 2017…”.

A festa foi dia 4.

3 – “Melhem quis celebrar com o elenco e os roteiristas…”

Não foi Melhem que quis celebrar. A festa foi organizada por pessoas do elenco, da redação e da direção. Ele era convidado.

E a celebração não era só com elenco e roteiristas. Tinha direção, produção, equipe e profissionais de várias áreas. Até uma van foi alugada para os colegas que moravam mais longe e precisavam de transporte.

4 – “Ele forçava o contato corpo a corpo”.

A narrativa da brincadeira no palco faz tudo parecer forçado  e não uma brincadeira entre amigos, diante de todos os outros amigos. E ignora pelo menos mais um ator que estava brincando junto com Marcius e Dani Calabresa.

5 –  “(…) banheiro, cuja porta (…) não fica à vista de quem está no salão”.

Esse local é dos mais movimentados do bar e fica de frente para o salão.

6 – “Ao sair, a atriz deu de cara com Melhem (…) e tentou agarrá-la”.

Ele não tentou agarrá-la.

7 – “Ela reagiu e bateu com a parte traseira da própria cabeça na parede e pediu que Melhem a deixasse passar.”

Outra mentira.

8 – “Com uma das mãos, ele imobilizou os braços da atriz”.

Mais uma mentira. Uma pessoa se debatendo e ele conseguir segurar os dois braços dela com uma mão só?! Não precisa ser campeão de artes marciais para perceber a impossibilidade disso.

9 – “Com a outra, puxou a cabeça dela pra forçar um beijo.”

Novamente, basta pensar um pouco para ver a extrema dificuldade de executar o que a cena descreve.

10 – “Calabresa cerrou os lábios e virou o pescoço, mas Melhem conseguiu lamber o rosto dela”.

Mentira. E ele seguia segurando os dois braços dela com uma mão só e com a outra puxando a cabeça? Mas ainda vem o pior!

11 – “Em seguida, tirou o pênis pra fora da calça”.

Com que mão? As duas não estavam ocupadas? Quantas mãos ele tem?

12 – “Enquanto a atriz tentava (…) escapar (…) acabou encostando mão e quadris no pênis de Melhem”.

Tudo isso aconteceu ali no meio daquele entra e sai de um banheiro em frente ao salão?

13 – “Ao reencontrar os colegas no salão, Calabresa teve uma crise de choro. (…) Luis Miranda e George Sauma ofereceram a ela um copo d’agua e confortaram a amiga”.

Pelo relato, ela atravessou o salão chorando, recebeu água e conforto de amigos. E isso não foi assunto mais? Nem no dia seguinte no grupo onde todos – inclusive Dani – comemoravam o sucesso da festa? A festa seguiu normalmente sem que isso fosse problema? Como isso foi possível?

14 – “Na terça-feira, três dias depois…”

Por que a história pula três dias? O que aconteceu nos minutos depois? Horas? Dia seguinte? Tudo tão detalhado e ignora a normalidade das relações nos dias seguintes?

15 – “Calabresa estava ensaiando (…). Ela contracenava com Maria Clara Gueiros.”

Era uma cena numa mesa de jantar. Tinham outros atores e atrizes. Não era só Maria Clara Gueiros.

16 – “(…) Melhem, que não tinha o hábito de aparecer nos estúdios”.

Não é verdade. Muitas reuniões se davam nos estúdios. Fora os trabalhos como ator. Em novembro de 2017, por exemplo, ele tinha gravações e edição do Tá no Ar nos Estúdios.

17 – “(…) Hahahouse ou Kkkasa, situada no Jardim Botânico, a mais de 30 km do Projac”.

São menos de 30 km. Pra ser exato, 28. Basta olhar no Google Maps. 

18 – “Eu não tenho culpa do que aconteceu. Quem mandou você estar muito gostosa”.

Pela matéria, Marcius teria sido violento dias antes e ainda vai aos estúdios para se incriminar na frente de todos com essa frase cafajeste.

19 – “Maria Clara Gueiros pediu para o chefe deixar a colega em paz”.

Maria Clara Gueiros afirma que só soube das “denúncias” em maio de 2019. Como defendeu Dani um ano e meio antes?

20 – “Não quero (…) suas desculpas, você já agarrou, lambeu (…)”

Nada disso aconteceu. No meio do cenário, no meio do estúdio?! Isso teria consequências imediatas. Inclusive seria impossível depois Marcius e Dani continuarem se falando como se nada tivesse acontecido, sem que isso fosse assunto.

21- “Melhem seguiu falando que ela era responsável pelo comportamento dele”.

Pela narrativa, Dani estava irritadíssima e Marcius, além de ignorar, ainda colocava a culpa nela. E depois disso, tudo a vida seguiu normal? Com mensagens carinhosas de parte a parte? A pessoa que teria dito tudo isso ao seu chefe no meio do estúdio, depois nunca mais falaria sobre isso em privado? Por essa narrativa ela não despertou sobre o assédio dois anos depois, ela já estaria revoltada com ele. E mesmo assim nunca falou nada a ele em particular? Grita no estúdio mas nunca diz nada a ele?! Óbvio que essa cena não aconteceu.

22 – “diz uma das pessoas que estavam na sala de ensaio no projac”.

Não era uma sala de ensaio. Era o cenário, como a própria matéria diz linhas acima. Melhem visitou o estúdio e brincaram sobre a festa. Outros atores também brincaram. Depois Marcius foi gravar e seguiu o ensaio.

23 – “Em julho de 2017 (…) ela estava em seu camarim no projac”, arrumando-se para (…) uma sátira inspirada no seriado Baywatch (…) “De repente, a atriz escutou alguém bater à porta do camarim”.”

Essa cena foi na praia. Ela estava num ônibus-camarim. Em Grumari.

A partir daqui a narrativa é toda falsa. Nem Melhem nem Dani estavam no Projac. E Melhem nunca foi a uma externa do Zorra fora dos Estúdios Globo.

A narrativa é rica em detalhes. Como algo que não aconteceu pode ter tantos detalhes? Bom, só lembrar da cena da saída do banheiro do bar.

24 – “Como a direção do programa distribui uma escala precisa de gravações (…) todos sabiam que a cena da salva-vidas gostosona seria gravada naquele momento”.

A intenção da matéria inteira é escolher palavras para dar dramaticidade às cenas, mas… “escala precisa”? O que seria uma escala imprecisa? Algo como “gente, aparece aí na segunda para gravar, que tem umas cenas?”. E não é a direção que distribui o roteiro, é a produção. E lembrando que – pela escala precisa – a gravação não foi nos Estúdios.

25 – Vestindo um roupão, Calabresa abriu a porta do camarim. Era Marcius Melhem.”

O repórter gosta de detalhes e sabia até que ela estava de roupão e sozinha. É de se perguntar como um repórter que se gaba de ouvir “43 pessoas”, “mais de quatro dezenas”, não pediu a qualquer uma delas o roteiro – preciso – de gravação, para ver que a cena foi gravada numa praia.

26 – “(…) Em tom de brincadeira, disse que viera dar uma ‘conferida’ no figurino.”

O repórter reproduz até o que foi falado. Ou pensado, visto que Melhem só poderia ter encontrado Dani por telepatia.

27 – “Constrangida, a atriz sorriu amarelo e não tirou o roupão”.

Um bom fim de cena. De ficção.

28 – “Em dezembro de 2015 (…) Falabella pretendia incluir Calabresa no elenco de seu novo programa dominical, Melhem barrou o convite, segundo o próprio Falabella”.

Melhem não barrou o convite. Primeiro que ele não tinha poder para isso. A instância é a DAA. Segundo que todos que quiseram sair dos programas que Melhem coordenava, saíram. Ele nunca prendeu ninguém. Terceiro que Melhem pessoalmente tentou, com apoio do diretor Maurício Farias e contra a vontade da DAA, que Dani fizesse os dois programas. Marcius nunca discutiu o assunto com Falabella. Cininha de Paula, diretora do projeto, disse que não daria pra conciliar. A própria Dani então resolveu ficar no Zorra e não fazer o projeto. Tudo isso tem extensa documentação em troca de mensagens. Por fim, o programa não era dominical, ele foi encaminhado ao Globoplay e se chamava Brasil à Bordo.

29 – “Eu trouxe você pra Globo (…) e você vai me trair?”

Isso nunca foi dito. Como esclarecido acima, Marcius tentou ajudá-la a fazer os dois programas.

30 – “Calabresa insistia em lançar (…) Furo MTV, sucesso que ela criara…”

Ela não é criadora do programa.

31 – Em março de 2019, Calabresa reuniu-se com Melhem e Daniela Ocampo (…) para pedir autorização para oferecer aos canais GNT ou Multishow (…). Melhem reafirmou que a atração seria exibida na própria Globo.

Ele nunca poderia afirmar que algo que nem estava sendo criado oficialmente, com equipe montada, seria exibido. Essa decisão passa por muitas instâncias.

32 – “(…) duas semanas depois, marcou a primeira leitura do roteiro (…)”

Errado.  A leitura foi em maio.

33 – “Melhem e Ocampo anunciaram que o Fora de Hora seria apresentado apenas por Calabresa”.

Errado. Ela sabia que ia apresentar com Paulo (Vieira). Inclusive chegou à reunião com ele. Aliás, o Paulo, personagem fundamental dessa noite, nem aparece na reportagem. O repórter ouviu 43 pessoas e nenhuma lembrou que o Paulo estava lá?

34 – “A atriz ficou espantada. (…) fora combinado que seu colega  dividiria a bancada. Calabresa questionou a ausência de (Bento) Ribeiro”.

Nunca foi combinado. Dani já foi para a leitura sabendo que a decisão era não ter o Bento e tentar fazer com o Paulo. Muitas conversas de áudio comprovam isso.

35 – “Calabresa achava que o programa seria um plágio, e resolveu não fazê-lo”.

A reportagem ignora as coisas que Dani disse naquela noite aos roteiristas e ao elenco, além da deselegância de dizer diante de Paulo Vieira que preferia fazer com outro ator. E além de tudo não é verdade que ela decidiu não fazer. Dias depois, vendo que ela estava irredutível, a redação e a direção tomaram a decisão de fazer a leitura  para a aprovação da direção da Globo sem a Dani.

36 – “(…) vivia tensa com a possibilidade de se encontrar com Melhem. (…) ele quase sempre a chamava de “gostosa”, apertava a cintura dela, afagava o cabelo (…)”

Melhem não fazia isso, nunca ficou apertando e alisando a Dani. E se ela vivia tensa, por que tomou a iniciativa de mandar mensagem a ele um mês depois para elogiá-lo como ator na Escolinha e ainda agradecer também seu lado chefe, dizendo que era feliz no Zorra e na Escolinha?. Somente quando o novo programa foi aprovado pela direção, e portanto virou realidade, ela parou de falar com Melhem.

37 – “Exausta, Calabresa resolveu deixar o elenco do Zorra”.

Errado. Já era sabido que seria o último ano dela. Por isso equipes estavam desenvolvendo ideias de programas e quadros para a Dani. Ela já reclamava do ritmo do Zorra há tempos e no início de 2019 pediu a Melhem ajuda para gravar menos. No que foi atendida.

38 – “Em uma reunião na Hahahouse com Melhem e Ocampo, em outubro do ano passado, os chefes quiseram saber o motivo da decisão.”

A reunião não foi para saber o motivo da decisão. Foi para perguntar se ela ficaria no Zorra mais um ano. Desde a gestão conjunta Melhem/ Maurício Farias, sempre foi perguntado a um por um do elenco se desejariam ficar mais um ano. Todo final de ciclo. E o encontro não foi na Hahahouse, foi no Projac. Mais uma vez o repórter não sabe onde estavam Marcius e Dani.

39 – “Adnet apresentou o programa sozinho”.

Não é verdade o relato sobre a não entrada de Dani no A Gente Riu Assim de 2019. O formato mudou para Mesa Redonda apresentada por Marcelo Adnet de Galvão Bueno, com outros personagens fixos dos programas. Dani não apresentou, mas tinham muitas cenas suas no programa, preservando seu tamanho e protagonismo.

40 – “Guedes disse então que sugeriu a ele fazer terapia”.

Isso não é verdade. Em nenhum momento esta foi a solução dada pela empresa.

41 – “Afinal, se a festa era da empresa e o convite tinha vindo do próprio diretor do Zorra, a culpa agora era de quem aceitara o convite?”

Vários erros na mesma frase. A festa não era da empresa; o convite não tinha vindo de Melhem; e ele não era diretor do Zorra. Era redator final.

42 – “Melhem convidou os roteiristas (…) Queria comemorar sua promoção: (…)”

O encontro em Mauá não foi para comemorar sua promoção. Isso nem foi tocado durante a organização. Era uma confraternização que estavam há tempos para organizar.

43 – “A brincadeira foi gravada em vídeo (…) não há qualquer conotação sexual no ambiente, mas mostra que as questões de compliance, as reclamações ao DAA, não eram um assunto estranho ao pessoal do Departamento de Humor”.

Acho que é um dos poucos momentos em que o repórter não atribui a Melhem nada sexual. Também pudera, nesse momento ele estava com suas duas filhas no colo, dentro da jacuzzi. Mesmo assim isso é omitido pelo repórter. Quem está no vídeo, em primeiro plano, cantando animadamente musiquinha dizendo que ali não tinha compliance, depois, quando foi conveniente, procurou o compliance com histórias distorcidas. 

OBS: Como dito no início, existem muitos outros erros na reportagem. Mas não se pode atribui-los de todo à reportagem ou à revista, e por isso não estão elencados aqui: análises subjetivas e/ou distorcidas atribuídas a terceiros; supostos áudios fora de contexto; declarações ao compliance que nem as partes tiveram acesso mas o repórter narra com detalhes (sempre com detalhes), e por aí vai.

Também não devemos comentar – mesmo sabendo que estão errados – eventos dos quais Melhem não faz parte, sobretudo depois de sua saída da empresa.

Tudo isso fica para a justiça, onde não é possível simplesmente mentir com tantos detalhes.”

 

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Cristina Padiglione

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