Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Postura de Mainardi contra Haddad não contribui para furar bolhas

Diogo Mainardi e Feranando Haddad no Manhattan Connection / Reprodução

Os militantes mais fervorosos do PT acham que Fernando Haddad não deveria aceitar participar do Manhattan Conneciton, o que ocorreu nesta quarta-feira (10) pela primeira vez, na TV Cultura. Mas é justamente a segurança dele em reagir com civilidade a manifestações ríspidas, para muito além da deselegância dos memes inspirados em Sandra Annenberg, que tornam a situação positiva para todos os lados.

Primeiro: Mainardi sempre se refere a Lula como se referiu no programa de quarta. Trata-o como “ladrão”, fazendo o papel de juiz, sem o ser, e lhe profere uma sentença que efetivamente não existe na prática, e aqui não me refiro a ser suspeito ou a convicções como as da Lava-Jato. Se ele trata Lula desta forma e vê Haddad como seu poste, mesmo conhecendo, como sujeito bem informado que é, o currículo do ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, como é que Mainardi poderia ser doce e meigo diante do convidado ali conectado via teleconferência?

Seria hipócrita se não dissesse, diante do outro, o que diz quando ele não está ali a dividir a tela com ele.

Do lado de Haddad, é óbvio que a má receptividade vinda de Veneza, onde está Mainardi, não é uma surpresa. Em vez de responder às acusações do outro, consumindo seu tempo na defensiva, devolve com outros ataques, mas, como bom professor, dá uma aula de civilidade e conceitos. Lembra que não se deve tratar alguém como criminoso antes que a Justiça o faça, e ressalta, com propriedade, que desmerecer uma instituição ou um partido em nome de elementos daquele grupo é um desserviço à democracia. Criminalizar o PT, o PSDB, a Igreja Católica, etc., por atos de seus integrantes é algo que só conspira a favor da criação de falsos super heróis.

Haddad aproveitou para espinafrar Sergio Moro, “seu herói, Mainardi”, dizendo que nos Estados Unidos ele já estaria em Guantánamo. Referia-se à prisão de fama rigorosa. Preciso, Mainardi devolveu: “mas então o Moro já foi julgado?”, frase que passou quase despercebida porque Haddad não interrompeu sua fala. Lucas Mendes arriscou uma pequena defesa: “aqui ele [Moro] ainda é tratado como herói”, reagiu. “Só se for na era Trump”, finalizou Haddad. A reportagem da semana no New York Times, que chama a Lava Jato de maior escândalo do judiciário brasileiro, foi ignorada pelos moradores de Nova York.

Foi um debate acirrado, em tom de acordar espectador sonolento na poltrona.

Mendes portou-se como um lord, na tentativa de ser receptivo ao convidado, sem desmerecer o colega que falava do outro lado do oceano.

É necessário ter um Mainardi lá e um Haddad aqui, no mesmo plano, na mesma tela, a fim de furar bolhas de militâncias e torcidas, gente que se recusa a ouvir algo diferente do que imagina que seja o ideal. É preciso pluralizar a conversa.

Mas esse diálogo seria muito mais produtivo se o jornalista, que faz questão de dizer que desce o cacete em todos, sem discriminação, buscasse mais objetividade e menos hostilidade na forma de fazer suas justificadas cobranças. Usar termos como “ladrão” ou “vagabundo” só nivela sua retórica aos patamares da conversa de botequim, e ele está bem além disso. Concorde ou não com Mainardi, ele passa longe dos idiotas rasos que têm suas vitrines para extravasar veneno, bílis ou apenas interesses pessoais.

Mendes celebrou a presença de Haddad como “a primeira vez que um petista vem ao programa”. Haddad logo usou o ataque de Mainardi para justificar a ausência de correligionários seus ali.

Jair Bolsonaro, que surfa no antipetismo, sofre do mesmo mal. Só comparece diante de repórteres que não o contrariam. Resultado? Fala apenas para a bolha que já o idolatra.

Vivemos tempos de equações difíceis no ofício do jornalismo. Se o profissional faz uma pergunta em tom absolutamente civilizado, mas incômoda ao entrevistado, há plateia que já veja nisso alguma grosseria.

Muita gente, na confusão entre torcida e preferência política, vê agressividade no tom adotado por William Bonner naquelas sabatinas pré-eleitorais feitas na bancada do Jornal Nacional, quando, sejamos justos, ele nunca xingou ou destratou qualquer candidato, tendo buscado questões indigestas (e nem sempre úteis às dúvidas do eleitor, veja bem, mas indigestas) ao inventário de cada candidato. Os temas mais caros a cada um foram tratados ali.

Mônica Bergamo, pela Folha e BandNews, Vera Magalhães, pelo Roda Viva (TV Cultura), Daniella Lima, pela CNN Brasil, Cesar Tralli, Júlia Duailibi, Renata Lo Prete e Mario Sergio Conti, via Globo e Globonews, são exemplos de jornalistas que não fogem de questões incômodas aos entrevistados, sem jamais caírem na conversa fiada do interlocutor, mantendo a razão e a civilidade.

Queremos crer que seja possível tornar as entrevistas mais receptivas aos entrevistados, a ponto de eles não temerem um embate, com entrevistadores incisivos e civilizados. Não interessa a nenhum dos dois lados que figuras públicas falem apenas para suas próprias bolhas.

SÓ PARA LEMBRAR

Priscas eras, no início da carreira, tive o prazer de trabalhar com o jornalista Ferreira Netto, que mantinha um programa de debates diário na antiga Record. Era 1989, último ano dos Machado de Carvalho no comando da emissora, que viria a ser comprada por Edir Macedo.

Acusado de ser reacionário e de direita, Ferreira de fato tinha suas preferências, como viríamos a constatar dali a um ano em sua candidatura ao Senado pelo hoje extinto PRN, partido que elegeu Fernando Collor de Mello.

Ainda em 89, Collor deu ali sua primeira grande entrevista para a TV. Talvez naquele que tenha sido o primeiro pedido de direito de resposta concedido pelo TSE -Tribunal Superior Eleitoral- Ferreira teve de abrir o mesmo espaço de tempo a Lula, adversário de Collor, que não compareceu para fazer uso do tempo. Em seu lugar, apareceu Plínio de Arruda Sampaio, mais preparado, na época, para driblar eventuais cascas de banana, mas muito menos popular que o candidato.

Apesar desse episódio, Ferreira hoje seria visto como jornalista ultra equilibrado, já que fazia questão de contar com adversários na mesa do debate. “Mas o PT não gosta de vir ao programa”, nós, da equipe de produção, argumentávamos. “Sem PT, não tem programa”, ele teimava. José Genoíno, à época, era dos poucos que tinha flairplay para comparecer e debater, sempre com civilidade e até com bom humor.

 

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione