Mulheres da vida real ganham um dia de protagonismo na Globo
É o que eu digo sempre aos meus colegas: por favor, nunca pergunte às estrelas como elas conciliam maternidade e profissão, pergunte isso às funcionárias domésticas que trabalham para essas lindas. Elas, sim, dançam um dobrado para dar conta da casa alheia e do próprio lar, por um salário que muitas vezes é único, sem apoio de um companheiro, que não lhes permite pedir delivery quando estão cansadas de cozinhar.
A vida dessas mulheres, representantes da maioria feminina no Brasil, ganha protagonismo na Globo neste 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, com o especial “Falas Femininas”, que vai ao ar logo após o “BBB”.
E antes que alguém diga: “ah, mas só por um dia?” Sim, em ritmo documental, só por um dia, mas isso é melhor do que nunca e é bem capaz de inspirar ações por outros tantos dias e de transformar o olhar dos privilegiados -homens ou mulheres- sobre elas.
Apresentada por Fabiana Karla, a edição especial se assemelha à iniciativa de “Falas Negras”, exibido em 20 de novembro passado, mas só na homenagem. A forma aqui adotada é outra. Cinco mulheres com histórias distintas se juntam em um estúdio da Globo em São Paulo para narrar seus enredos, enquanto imagens externas gravadas nas casas de cada uma vão retratando suas trajetórias.
Invariavelmente, todas carregam pelo menos um episódio de abandono. “Acho que a gente vive num país onde os pais vão embora, né? E as mulheres ficam”, diz Carol Dall. É uma frase chocante sobre uma situação que banalizamos, de tão recorrente.
Ok, não são todos, há homens ótimos, e brindar ao Dia Internacional da Mulher não implica detonar o mundo dos machos, mas o script dessas mulheres é muito mais comum do que o tolerável. Elas são a regra, não a exceção, daí o valor desse holofote.
Não espere encontrar um programa clipado, com o dinamismo de edições moderninhas. A proposta é documental, dando a cada narradora as pausas e o ritmo que cada uma precisa para revisitar sua estrada e para se comover com a história das demais.
A melancolia que inevitavelmente transborda de alguns relatos é superada por uma celebração de autoestima no encerramento.
O programa foi concebido e produzido por uma equipe majoritariamente feminina, incluindo redatoras, cinegrafistas e diretoras, configurando, também nos bastidores, um quadro fora do comum. Mas é fato que os homens não alcançam determinados níveis de compreensão sobre o que uma mulher passa. Daí a autenticidade maior do resultado na tela.
Vale desacelerar para conferir as histórias dessas mulheres, abaixo descritas.
Sebastiana do Santos Oliveira, a Tina – A diarista, 47 anos, nasceu na Bahia, onde desde cedo começou a trabalhar em casa de família como empregada. Quando um dos irmãos se muda para São Paulo, pega o mesmo rumo. Na capital paulista, trabalha, faz faxina em residências, empresas, cozinha para eventos. Atualmente, mora com os dois filhos (18 e 8 anos). Sempre pagou todas as contas sozinha. Estudou só até a quarta série e diz que isso atrapalha muito para conseguir trabalho. Considera-se uma mulher de fé, mas não “segue placa”, ou seja, não tem religião.
Cristiane Sueli de Oliveira – A auxiliar de enfermagem, 44 anos, nasceu e mora em São Paulo. Está separada há dois anos e mora com os quatro filhos (23, 18, 13 e 7). Ela se divide entre a rotina no hospital, onde trabalha na linha de frente do combate à Covid-19, e o cuidado com eles. Na parte da manhã, o filho mais velho é quem cuida do mais novo, mas Cris também conta com a ajuda da mãe e da irmã. Gosta de ir à academia, a churrascos e à igreja junto da família, que é toda evangélica.
Carol Dall – A estudante universitária, 26 anos, nascida em Bonsucesso, foi criada em Duque de Caxias, região metropolitana do Rio. Inspirada pela prima Ana Lucia, que é pedagoga, Dall resolveu ser professora também. Trabalhou para pagar o próprio cursinho pré-vestibular e hoje estuda na UFRJ, onde está concluindo a faculdade de Geografia. Ela se forma em meados de março. Sua trajetória estimulou a própria mãe, Eliane, a voltar para a escola. As duas são muito amigas e ela morre de orgulho da filha, que também escreve poemas, é slammer e, nas batalhas de poesia, expõe suas vivências. Dall está gravando seu primeiro disco de rap e a mãe é sua grande inspiração.
Gleice Araújo Silva – De Salvador, a ambulante, 29 anos, é mais conhecida como Ruana. Tem três filhas (6, 5 e 4 anos). Ela tem uma barraca de drinks na praia. Fora da alta temporada, complementa sua renda vendendo comida e drinks em eventos, por encomenda. Filha de uma baiana de acarajé, vê sua mãe como exemplo de mulher forte e independente. Sempre que pode, dedica-se a sua religião, o candomblé.
Maria Sebastiana Torres da Silva – A sanfoneira e agricultora, 59 anos, nasceu em São Raimundo Nonato, no Piauí. Aos 6 anos, encontrou uma antiga sanfona que havia sido abandonada por parente. Limpou, cuidou e aprendeu a tocar sozinha. Logo começou a receber os convites para ir tocar em casamentos e animar aniversários. Não frequentou a escola porque tinha que trabalhar na roça para ajudar a família. Teve nove filhos, sete estão vivos. É avó de 14 netos e continua a trabalhar como agricultora. Em 2019, entrou em uma escola para alfabetização para adultos, onde aprendeu a escrever seu nome e sonha escrever um livro. É muito vaidosa. Tem muitos vestidos com brilhos para as apresentações.