Adriana Esteves se supera, e Thelma janta Carminha
No primeiro capítulo de “Amor de Mãe” após quase um ano sem cenas inéditas de Manuela Dias, o protagonismo foi todo de Adriana Esteves. A essa altura, com todo respeito a Carminha e a tudo o que ela representa, peço licença para dizer que Thelma a jantaria tranquilamente, não só em questão de vilania, mas também no que diz respeito à interpretação da atriz.
Carminha era expansiva, derramava seu escárnio à vontade, desde o primeiro capítulo de “Avenida Brasil”. Todo o trabalho era extroversão, com danças, piruetas, gritarias e gargalhadas. Mesmo no fingimento, ela tinha um chororô não contido e que ficava em segundo plano, só para fisgar Tufão (Murilo Benício) e a família, por curto espaço de tempo. Mas o público, em especial, conhecia aquela mulher desde a primeira cena de João Emanuel Carneiro.
Thelma é toda trancada em seus segredos, em seus crimes, suas obsessões. O gestual é contido, o corpo quase não pode denunciar quem é aquela mulher, sua voz é doce, sua dor é sussurrada, seu figurino é comportado, não há para onde correr. Em termos teatrais, a expressividade de Thelma é algo muito mais complexo de se alcançar e de comunicar à plateia do que aquela tresloucada da Carminha.
Até que “Amor de Mãe” se aproximasse do capítulo 100, fomos lentamente sendo apresentados às suas loucuras, cada vez menos perdoáveis, até que ela mata uma pessoa (Rita/Mariana Nunes), vem a pandemia, e ficamos um ano sem encontrar esta assassina silenciosa, que já no primeiro capítulo desta volta se livra de mais alguém, agora amiga próxima, Jane (Isabel Teixeira), que promete entregá-la à polícia.
A sorte de Carminha foi não ter encontrado uma Thelma no seu caminho. A personagem atual engoliria a outra porque trabalha com mais discrição no âmbito social. Mata silenciosamente, para depois se despir da sujeira no banho (um clichê, vá lá, mas que nunca é esgotável e sempre se mostra crível). Tranca-se no box do banheiro para confessar às paredes o que não confessa nem a si.
Adriana Esteves, de novo e de novo, deu um show, deixou-nos de joelhos diante de sua interpretação, e de faca na mão diante de Thelma.
Se havia a preocupação de que a abordagem da pandemia na novela poderia nos confinar ao noticiário da vida real, Thelma nos levou embora desse mundo rumo ao seu projeto pessoal, o plano de evitar a todo custo ter de dividir o filho, Danilo (Chay Suede) com Lurdes (Regina Casé).
E daí que a gente fica tão atordoado com esta figura, que a indignação se sobrepõe ao afeto sempre despertado pela imagem de dona Lurdes, pelo assassinato de Estela (Letícia Lima) ou pela canalhice já sem surpresa de Álvaro (Irandhir Santos) e Belisário (Tuca Andrada) –que, como a maioria dos homens, é visitado pela mulher enquanto está preso, mas lhe dá as costas quando é ela quem vai para trás das grades, uma estatística da vida real.
Isto é “Amor de Mãe”.
A Adriana Esteves, só tenho a dizer, de novo: “Ave, Adriana!”