‘Não somos a mesma pessoa’, diz Gabriela Duarte sobre a mãe
Foi uma entrevista cheia de cuidados com as palavras, de ambos os lados, entrevistador e entrevistada. Mas Gabriela Duarte disse, com todas as letras, a Pedro Bial, que ela e a mãe não são “a mesma pessoa”. É claro que a ficção aproximou ainda mais o que a vida real já propicia, que é não só a relação entre mãe e filha com o mesmo ofício, ambas projetadas publicamente pela tela da TV, mas de uma filha cujo rosto é o espelho da face materna. Não há alguém mais semelhante fisicamente à progenitora na galeria da fama do que Gabriela Duarte.
Nem por isso a atriz se sente autorizada a confrontar publicamente as posições de Regina, ex-secretária de Cultura de Jair Bolsonaro, e garante que nem entre quatro paredes se permite falar de política com a mãe, para evitar desconforto.
“Realmente não falamos sobre isso. A gente escolhe coisas em que a gente combina, invariavelmente, séries, filmes, a profissão. A gente se encontra no melhor, pra que se encontrar num lugar que não é gostoso, que é espinhoso? Esse é um pacto real que eu fiz comigo mesma.”
Gabriela não se mostra uma opositora das ideias da mãe e não espere dela um confrontamento público. Em alguns casos, até parece contemporizar com algumas delas. Quando Bial lhe questiona sobre feminismo, algo que Regina já declarou não abraçar (apesar de ter sido involuntariamente um dos ícones do movimento nos anos 1970, por causa de “Malu Mulher”), Gabriela diz: “Tem muitos assuntos ainda na minha vida que estão em construção, esse é um deles. Algumas vezes eu não me sinto publicamente pronta pra determinados debates, mas eu estou sempre com o meu coração e a minha escuta muito abertos, pra aprender, pra absorver, e a minha luta é essa: é pela justiça, por direitos iguais.”
Diz que tem noção de que serve como referência para muita gente e quando a convicção lhe falta, prefere não se posicionar publicamente. Mesmo assim, concordou em divulgar seus votos para a presidência: Cirgo Gomes (PDT) no primeiro turno e nulo no segundo.
Como quem custa a reconhecer que um ídolo fez escolhas equivocadas, Bial tenta justificar o posicionamento atual de Regina, voltando a 2002, quando, na véspera da eleição presidencial, ela foi à TV, pela campanha de José Serra, então adversário de Lula, para proferir a clássica frase: “Eu tenho medo”.
O apresentador pergunta então a Gabriela se ela acha que aquele episódio, que estigmatizou Regina, por uma “incompreensão, vamos chamar de autoritarismo da esquerda, foi determinante para a guinada dela pra direita“. “Pode ter sido uma reação?”, sugere ele.
“Houve uma mudança na forma de olhar pra forma como ela se posicionou”, respondeu Gabriela, que não avança sobre a teoria dele, tratada por ela como uma “pergunta interessante”. “Eu me sinto muito pouco na posição de fazer esse tipo de julgamento”, responde, emendando: “Agora, a gente é muito diferente em muitas coisas. Eu entendo que exista uma associação, até pelo próprio trabalho, mais do que na quantidade, mas de personagens muito fortes… ‘Por Amor’, ‘Chiquinha Gonzaga’. Eu faço até mea culpa, já fiz isso e venho fazendo, eu podia ter feito esse movimento de separação antes, não sei, talvez me expondo mais, não sou muito essa pessoa”, admitiu.
“Não se culpe por isso”, afagou Bial em seguida, como quem não se esquiva de perguntas espinhosas, mas está sempre pronto a assoprar a mordida inevitável.
O entrevistador quis saber se a mãe não consultou ou não discutiu com a família a decisão de encerrar um contrato de uma vida inteira com a Globo para ser secretária de alguém que boicota a cultura.
“Não, ela comunicou, e isso é muito ela, muito a personalidade dela. Era um desafio que ela queria agarrar, era uma coisa que ela queria fazer, e não tem ‘consultar os filhos’ ou ‘consultar a família’, tem comunicar. Então, a partir disso, volto para o meu lugar de filha, mãe dos netos dela, mas eu não sou uma consultora e não seria uma boa consultora pra ela, no caso.”
Gabriela contou ainda que chegou a ser ameaçada nesse período e tem tudo documentado, mas recebeu apoio de colegas que nem lhe eram tão próximos e isso será levado para a vida toda.
“É o que eu falei na época: cada um que cuide do seu CPF. Eu tenho as minhas escolhas e de dois filhos, que ainda precisam da minha mentoria. E teve pessoas me cobrando de me posicionar, o que [queriam?], apedrejar sua própria mãe em praça pública? Como assim? Não é querer muito fogo no parquinho?”
Quando Bial exibe o vídeo em que Bolsonaro e Regina anunciam a saída dela da secretaria e a volta a São Paulo, sob o pretexto de ficar mais próxima dos filhos, quer saber quem ficou mais aliviada: Regina ou os filhos? “Foi um período muito turbulento, que de certa forma nos afastou, não por nada, não por uma questão ideológica, de apontar dedo na cara, mas tem a ver com uma dinâmica muito complicada, de entrar ali, sair… Eu posso responder por mim, eu fiquei muito aliviada.”
O entrevistador aperta mais: quer saber se Regina se arrependeu dessa “experiência, vamos dizer, fracassada”. E é então que Gabriela disse que evita o assunto com a mãe. Evasiva, respondeu que “em qualquer âmbito da nossa relação, eu vou estar sempre ali”.
É, como disse Bial no início do programa, não é fácil ser peixinho de peixe, mas, em alguns casos, isso pede mais que demonstração de talento e competência, requer um jogo de cintura excepcional.