Herdeiras do ‘Circo dos Pretos’ resgatam sua história em documentário
Uma mulher que se vestia de palhaço nos anos 1940 para trabalhar no circo do pai, um negro que nasceu alforriado, mas era filho de mãe escravizada e fundou seu próprio estabelecimento em 1904.
Falamos aí de um tempo em que gerir o próprio negócio era exceção da exceção para alguém nessas condições, e de uma época em que a lona do espetáculo abrigava muito mais que anões, trapezistas, bichos amestrados, artistas e palhaços, abrindo seu picadeiro a encenações teatrais, inclusive cenas dramáticas.
Essa história foi contada pela jornalista, cineasta e palhaça Mariana Gabriel, em parceria com Ana Minehira, no documentário “Minha Avó Era Palhaço”, sobre dona Maria Eliza, intérprete do Palhaço Xamego, que morreu com 98 anos. Agora, Mariana refaz a trajetória do circo da família e de outros picadeiros frequentados pelos herdeiros de dona Maria Eliza, dando para sua mãe, Daise, filha de Eliza, a chance de fazer as pazes com o Palhaço Xamego, que, na sua visão infantil, ao assumir a identidade do personagem, roubava-lhe a mãe.
Em novo documentário, uma série em quatro episódios também editada em um filme de 1h20, o foco central de “O Circo Theatro Guarany” é a busca de um reencontro feliz entre a filha acrobata Daise e o Palhaço Xamego, mãe da cineasta, o que é feito por meio de uma conversa entre a documentarista e sua mãe, além da dramatização de uma Daise ainda criança, na representação da pequena Serena Odara.
Daise gostava do ofício da mãe e foi também criada em meio à atividades do circo, mas a transformação da matriarca na figura do Palhaço Xamego a afastava de seu colo à medida que se convertia em outra identidade.
Nas pesquisas realizada pela família para o novo documentário, o circo Guarany tem registros de sua passagem por Itu (SP) em 1917, quando uma das atrações eram As Cantoras Mignons, no caso, dona Eliza e a irmã, Efigenia. As duas cantavam, amestravam animais e faziam encenações teatrais sob a lona.
Foi só por volta de 1939/40, quando o Palhaço Gostoso, irmão de Eliza, adoeceu, que ela convenceu o pai de que poderia encarnar um palhaço, assim mesmo, no gênero masculino.
O enredo nos leva a uma visita da São Paulo do passado e a debates que passam por racismo, distinção de gêneros e opções de entretenimento. Temos ali um dono do circo preto no início do século 20 no Brasil, país onde a escravidão nas Américas durou mais tempo. O Palhaço Gostoso era preto. A mocinha das peças era preta. O Palhaço Xamego era preto. Todos, protagonsitas improváveis de uma história que se desenvolve poucos anos após a Abolição da Escravatura, quando nasceu o Circo Guarany.
“Minha sogra morreu com 98 anos. Até os 95, ela dava cambota, fazia e acontecia, era a alegria das festas”, conta o jornalista Roberto Salim, casado com Daise, que também reforça os créditos do filme produzido em família. A história do Circo Guarany rendeu 300 páginas de um projeto selecionado para o Itaú Rumos, base do documentário, e tem todas as condições de também virar livro.
Anote aí as datas de exbição na página Facebook.com/memoriadocircosp e no canal Memória do Circo no YouTube
18, 23 e 30 de julho – filme completo
Os quatro episódios serão exibidos separadamente na seguinte
sequência:
19/7 – “A filha do Palhaço” às 16h
21/7 – “A vida na Cidade” às 11h
26/7 – “Nosso circo é um filme” às 16h
28/7 – “As pazes com Xamego” às 11h
Após cada sessão, haverá um debate com a participação de convidados, resgatando a rotina de quem se criou entre trapézios e picadeiros, questões de gênero e a invisibilização dos circenses pretos na trajetória artística nacional.