Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Herdeiras do ‘Circo dos Pretos’ resgatam sua história em documentário

O Palhaço Xamego, personagem de Maria Eliza, uma vanguardista / Acervo Família Xamego

Uma mulher que se vestia de palhaço nos anos 1940 para trabalhar no circo do pai, um negro que nasceu alforriado, mas era filho de mãe escravizada e fundou seu próprio estabelecimento em 1904.

Falamos aí de um tempo em que gerir o próprio negócio era exceção da exceção para alguém nessas condições, e de uma época em que a lona do espetáculo abrigava muito mais que anões, trapezistas,  bichos amestrados, artistas e palhaços, abrindo seu picadeiro a encenações  teatrais, inclusive cenas dramáticas.

Essa história foi contada pela jornalista, cineasta e palhaça Mariana Gabriel, em parceria com Ana Minehira, no documentário “Minha Avó Era Palhaço”, sobre dona Maria Eliza, intérprete do Palhaço Xamego, que morreu com 98 anos. Agora, Mariana refaz a trajetória do circo da família e de outros picadeiros frequentados pelos herdeiros de dona Maria Eliza, dando para sua mãe, Daise, filha de Eliza, a chance de fazer as pazes com o Palhaço Xamego, que, na sua visão infantil, ao assumir a identidade do personagem, roubava-lhe a mãe.

Em novo documentário, uma série em quatro episódios também editada em um filme de 1h20, o foco central de “O Circo Theatro Guarany” é a busca de um reencontro feliz entre a filha acrobata Daise e o Palhaço Xamego, mãe da cineasta, o que é feito por meio de uma conversa entre a documentarista e sua mãe, além da dramatização de uma Daise ainda criança, na representação da pequena Serena Odara.

Daise gostava do ofício da mãe e foi também criada em meio à atividades do circo, mas a transformação da matriarca na  figura do Palhaço Xamego a afastava de seu colo à medida que se convertia em outra identidade.

Nas pesquisas realizada pela família para o novo documentário, o circo Guarany tem registros de sua passagem por Itu (SP) em 1917, quando uma das atrações eram As Cantoras Mignons, no caso, dona Eliza e a irmã, Efigenia. As duas cantavam, amestravam animais e faziam encenações teatrais sob a lona.

Foi só por volta de 1939/40, quando o Palhaço Gostoso, irmão de Eliza, adoeceu, que ela convenceu o pai de que poderia encarnar um palhaço, assim mesmo, no gênero masculino.

O enredo nos leva a uma visita da São Paulo do passado e a debates que passam por racismo, distinção de gêneros e opções de entretenimento. Temos ali um dono do circo preto no início do século 20 no Brasil, país onde a escravidão nas Américas durou mais tempo. O Palhaço Gostoso era preto. A mocinha das peças era preta. O Palhaço Xamego era preto. Todos, protagonsitas improváveis de uma história que se desenvolve poucos anos após a Abolição da Escravatura, quando nasceu o Circo Guarany.

“Minha sogra morreu com 98 anos. Até os 95, ela dava cambota, fazia e acontecia, era a alegria das festas”, conta o jornalista Roberto Salim, casado com Daise, que também reforça os créditos do filme produzido em família. A história do Circo Guarany rendeu 300 páginas de um projeto selecionado para o Itaú Rumos, base do documentário, e tem todas as condições de também virar livro.

Anote aí as datas de exbição na página Facebook.com/memoriadocircosp e no canal Memória do Circo no YouTube

18, 23 e 30 de julho – filme completo

Os quatro episódios serão exibidos separadamente na seguinte
sequência:

19/7 – “A filha do Palhaço” às 16h
21/7 – “A vida na Cidade” às 11h
26/7 – “Nosso circo é um filme” às 16h
28/7 – “As pazes com Xamego” às 11h

Após cada sessão, haverá um debate com a participação de convidados, resgatando a rotina de quem se criou entre trapézios e picadeiros, questões de gênero e a invisibilização dos circenses pretos na trajetória artística nacional.

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Cristina Padiglione

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