10 marcos da TV brasileira em 2016
A crise econômica não fez a bola da produção audiovisual murchar em 2016, que bom, e a crise política bem que alimentou o desafio de se ler listas gigantescas de nomes acusados de lá e de cá, nos telejornais, tendo por princípio a defesa do outro lado. Foi difícil fazer tudo caber nos noticiários. Foi nesse contexto que o show avançou. O jornalismo ficou na retaguarda da Justiça, esperando para ver o placar final. Tivemos novela socialmente engajada, como há muito não víamos, séries que finalmente mostram disposição em ir além do didatismo da telenovela, realities que persistiram em receitas únicas, cobertura de Olimpíada com show de abertura feito para a TV e a habilidade descomunal em lidar com o inesperado. Com vocês, a TV brasileira em 10 atos marcantes deste tumultuado 2016.
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TOP 10 TV 2016
10. “3%”
Depois de muita expectativa, a Netflix bancou a produção de sua primeira série original no Brasil, mas “3%”, que estreou em novembro, ficou aquém da torcida. O baixo custo orçamentário (R$ 10 milhões, ante R$ 40 milhões gastos em produções da plataforma lá fora) foi apontado como um dos motivos pela performance ligeiramente frustrante. Com bom argumento, a série encabeçada por João Miguel e Bianca Comparato terá segunda temporada. As principais críticas recaíram sobre os diálogos e a atuação do elenco. A ver se a próxima safra ajusta tais ponteiros.
9. #MeChamaDeBruna
Série produzida pela TV Zero para a FOX, foi ponto alto da TV paga. Derivado do livro “Bruna Surfistinha”, que já havia virado filme e retrata as histórias da mocinha de classe média que resolveu ser puta, o título apostou no lançamento de Maria Bopp como protagonista e foi o produto mais visto da FOX do Brasil nos canais FOX da América Latina.
8. Minha Estupidez
Série em que Fernanda Torres expõe os limites de seu conhecimento e, sobretudo, a ignorância que habita todos nós, nem sempre reconhecida – e por isso não curada. Exibido pelo canal GNT, o programa foi inaugurado com um inestimável material com João Ubaldo Ribeiro, fruto de uma conversa gravada por ela na casa do escritor em 2014, a poucos meses de sua morte. A série contou ainda com Caetano Veloso e a ministra do STF, Carmén Lúcia, e se propõe expandir o repertório do telespectador, obra rara na TV nossa de cada dia.
7. Rio2016
Além de toda a parte que cabe às televisões no planejamento de cobertura jornalística, da concepção de um QG Olímpico à distribuição de equipes e organização da programação, a Olimpíada no Rio contou com a super criação de um time escalado pelo Comitê Olímpico para o show de abertura, obra feita acima de tudo para fazer bonito na TV do mundo todo, com realização de Fernando Meirelles, Andrucha Waddington, Débora Colker e Daniela Thomas. O brasileiro pode se orgulhar do espetáculo e, por algumas horas, esquecer o desânimo causado pelo noticiário político e econômico. De quebra, lavou a alma da vergonha pelo espetáculo pífio realizado na abertura da Copa, em 2014.
6. Um Contra Todos
Série da Conspiração para a FOX em 13 episódios, primeiro título do diretor Breno Silveira para a TV, com Júlio Andrade no papel de um advogado preso por engano como chefe maior do tráfico de drogas. Uma quantidade gigantesca de droga é encontrada no forro do teto de sua casa e ele vai preso, é escorraçado na TV, é reverenciado na prisão e vê sua honestidade dar lugar à malandragem necessária para sobreviver. A mulher, grávida do segundo filho, e o filho mais velho são suas fortalezas. Filmado em ordem cronológica de cenas, um luxo para a TV, a produção conta ainda com Thogun Teixeira, Roberto Berindelli, Caio Junqueira, Roney Vilela, Júlia Lanina e Adriano Garib, entre outros. Foi o título brasileiro da FOX mais visto no Brasil, segunda audiência do canal, perdendo só para “The Walking Dead”. A 2ª temporada já está em produção.
5. Jô Soares
2016 será lembrado como último ano do talk show diário de Jô Soares, dono de 28 anos de uma tradição iniciada no SBT, em 1988, e transferida à Globo em 2000. Anunciada como derradeira desde o início do ano, a temporada se permitiu honrar um tom de despedida em patamares altos, com boas entrevistas e memória, sem a melancolia do adeus. E suscitou os mais diversos rumores sobre o destino do homem que sempre pediu que não fôssemos pra cama sem ele. As entrevistas devem prosseguir, talvez em periodicidade menor, ainda sem canal certo.
4. Domingos Montagner
Protagonista da novela das 9 da Globo, ele desapareceu em meio ao cenário principal de “Velho Chico”, o Rio São Francisco. O ator mergulhou no rio com Camila Pitanga, amiga e colega de elenco, seu par no folhetim de Benedito Ruy Barbosa, e, aparentemente, segundo o relato dela, não conseguiu se desvencilhar de um rodamoinho que o sugou para o fundo das águas. Essencial para o relato da história, a presença de Domingos foi solucionada nas cenas finais com uma câmera subjetiva, que levava os atores com quem ele contracenaria a olharem direto para as lentes, mirando o olhar do telespectador, como se mirassem os olhos do próprio Domingos. A solução do diretor Luiz Fernando Carvalho foi aplaudida, com comoção.
3. Primeira cena de sexo gay na TV aberta
Foi em “Liberdade Liberdade”, entre Ricardo Pereira e Caio Blat, que se desenhou a primeira cena gay da TV aberta brasileira para além do tão discutido beijo na boca. Os meninos se despiram, se acariciaram, se encaixaram em conchinha, e a comunidade LGBT e simpatizantes foram ao êxtase nas redes sociais. O perfil dos personagens e a época da história de Mario Teixeira, novela das onze dirigida por Vinicius Coimbra, na Globo, conspiraram a favor do aproveitamento da reflexão sobre casamento igualitário. Os dois viviam no Brasil de 1800. André (Caio) era moço de fino trato, criado em Portugal, formado em Direito. O outro, militar oprimido, tentava esquecer que amava André e casava-se com uma prostituta, em quem batia. Fazer sexo com pessoas do mesmo gênero, naqueles dias, era crime pago com a forca. A discussão foi bem estofada também para a boa aceitação da audiência mais conservadora.
2. Velho Chico
Novela socialmente engajada, com discurso latente sobre opressores e oprimidos, fotografia e figurino milimetricamente cuidados, resgatou a ideia de microcosmos do Brasil por meio de uma pequena cidade, no caso, Grotas de São Francisco, capaz de refletir os problemas mais comuns e comentados da política nacional, como obras superfaturadas, alimentos com agrotóxicos e desrespeito ao meio ambiente. De Benedito Ruy Barbosa, escrita por Bruno Luperi e direção mais que autoral de Luiz Fernando Carvalho, o título se esmerou na trilha sonora e na discussão em torno de abuso de poder e distribuição de renda. Como raras vezes é possível ocorrer em produções de ritmo industrial, honrou um trabalho primoroso de preparação de elenco, de modo a deixar todos em níveis próximos de atuação, sem discrepância.
1. Justiça
Série da Globo em 20 episódios, de Manuela Dias, com direção de José Luiz Villamarim, trouxe quatro personagens centrais que tiveram suas trajetórias contadas semanalmente, de segunda, terça, quinta e sexta, com um protagonista por dia. Um homicídio de cunho passional, um falso flagrante por briga de vizinhos, um caso de racismo, outro de estupro e um atropelamento, com fundo de eutanásia, corrupção e alcoolismo foram capturados por diferentes olhares. Protagonistas de um dia eram coadjuvantes nos outros. Narrativa inovadora, bem amarrada, elenco coeso e bem dirigido pela mira documental que Villamarim sabe, como ninguém, imprimir à ficção. Com Débora Bloch, Adriana Esteves, Luísa Arraes e Cauã Reymond, cercados por Vladimir Brichta, Cássio Gabus Mendes, Antonio Calloni, Leandra Leal, Enrique Diaz, Jesuíta Barbosa, Drica Moraes, Júlio Andrade, Jéssica Ellen e Camila Márdila.