Porchat vê queda de tom reacionário: ‘Bichos escrotos estão retornando ao esgoto’
Fábio Porchat é um sujeito otimista. Com relação a todo o movimento reativo causado pelo filme “A Primeira Tentação de Cristo”, especial de Natal de 2019 do Porta dos Fundos, aquele em que Jesus exibia dúvidas sobre sua orientação sexual e dava pinta de gay, o ator e roteirista do Porta dos Fundos vê um arrefecimento no tom reacionário presente no Brasil hoje.
Para Porchat, o arrependimento de tanta gente que votou em Jair Bolsonaro para a presidência da República é um indício de que “os bichos escrotos estão voltando para o esgoto”, cita ele ao blog, em referência à letra tornada famosa pelos Titãs.Dois dias depois de ele nos dizer isso, ainda na data de lançamento da animação, a associação Centro Dom Bosco, que quase conseguiu censurar o especial de 2019, entrou com ação no TJ de SP contra as empresas que administram a Paramount no Brasil e o próprio Porta para, mais uma vez, pedir que o especial fosse retirado do ar. Em vão.
A associação alega que há a “necessidade de proteger o sentimento religioso de uma violação grave”. A petição cita ainda que a censura busca evitar “que a onda de intolerância contra aqueles que professam alguma religião não se agrave ainda mais”.
No início de 2020, o Centro Dom Bosco recorreu ao TJ do Rio e até conseguiu da Justiça estadual uma vitória, mas a decisão foi revertida no STF.
“Isso só ajuda a gente, só chama mais atenção para o especial e para o nosso conteúdo. Essas pessoas não percebem que isso só dá mais público para nós”, afirma o roteirista, que no novo especial dubla um Heródes afetado. “[A tentativa de censura e ataque] É muito mais uma onda pra aparecer, dessas pessoas, do que qualquer outra coisa.”
PARA RIR, NÃO PARA CHOCAR
“Aí dizem: ‘mas pode brincar com Jesus e não pode fazer piada com gay?’ Acontece que ninguém mata um católico por ser católico, ninguém mata evangélico por ser evantélico, vivemos em um país em que muita gente tenta calar essas vozes de negros, mulheres, gordos… Quando a gente está rindo de uma religião que é a principal religião de um país, de pessoas que estão na política, estão no poder, no STF, eles têm meios fáceis de se defender, de mostrar sua indignação.”
“O Porta procura não rir de quem está apanhando, mas rir de quem está batendo”, sintetiza Porchat.
O roteirista lembra que muita gente menciona a possível volta de Jesus à Terra, mas aposta que ele já pode ter voltado e ter sido morto porque “ninguém deixou ele ficar”. “Jesus conversava com os marginalizados, com as putas, Jesus estaria entre os pobres, provavelmente dormindo naquelas calçadas com espeto. Jesus provavelmente estaria ao lado do padre Julio Lancelotti, não estaria ao lado do Silas Malafaia com certeza.”
Para quem não sabe –e ainda não leu–, “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”, livro de José Saramago, serviu de inspiração a Porchat para a vontade de humanizar personagens bíblicos. O roteirista conta que sempre lê a Bíblia antes de começar a escrever os especiais de Natal, a fim de encontrar elementos e informações pouco difundidas.
“Sempre gosto de fazer esses personagens como humanos, Jesus passou pelas agruras da adolescewncia, como todos nós.” E busca registros de teorias extra-bíblicas, como a suposta existência de um irmão de Jesus e uma possível passagem do Messias pela Índia.
Fábio de Luca, que dá voz a Lázaro, principal amigo de Jesus no novo enredo, destaca ainda o fato de o filme se concentrar em uma fase de imaturidade de Jesus, ali correspondente ao Ensino Médio, equivalente a uma adolescência repleta de autoafirmação, questão que atinge também Heródes e outas figuras citadas em cena.
“Estamos todos num registro de adolescência neste momento, então é interessante: as pessoas que se permitirem assistir vão encontrar o desmnonte desses ícones. As instituições Maria e Jesus são cravadas de polêmicas, de nuances, e na comédia, isso enriquece a figura dessas personagens”, diz Luca. “Mas vão encontrar uma história de amor, uma história de amizade, dentro dos dilemas que eles estao passando, da sexualidade, da vergonha do pai, que é o criador do universo, enfim, é muito ponto de identificação, muito bonitinha e muito safadinha”, avisa.
“A galera gosta de jogar bomba, mas não percebe que a gente é fascindao pela figura de Jesus, é muito mais homenagem, muito mais fofo que isso”, completa Luca.
A produção foi feita com a Stricnina, produtora de animação de Cazé Peçanha, parceiro dos roteiristas na finalização do especial, e traz várias referências a cenas e sequências icônicas, com um toque evidente de “Carrie, a Estranha”.
SEM PUNIÇÃO
Em tempo: o atentado contra a sede do Porta dos Fundos, no final de 2019, não deu em nada para os criminosos até agora. Há quatro pessoas ainda procuradas, um preso na Rússia, onde há um julgamento em andamento.
“A gente esquece que no Brasil a impunidade está aí. Em um país onde a injustiça impera, o nosso caso não foi resolvido”, diz Porchat. “Na época, o digníssimo sr. Sergio Moro era ministrto da Justiça e nã falou nada, era um assunto que não interessava, mesmo sendo violento, não interessava ao ministro da Justiça solucionar esse crime, que poderia ter matado pessoas inclusive.”