Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Indicação de ‘Ismael Vivo’ ao Prêmio APCA é boa chance para rever doc

Imagem do documentário 'Ismael Vivo', finalista ao Prêmio APCA

Finalista ao Prêmio APCA (Associação Paulista dos Críticos de Artes) 2021 na categoria de TV, o documentário “Ismael Vivo”, de Alberto Pereira Jr. para a TV Cultura, reacende com justiça os holofotes que a produção merece para ser vista ou revista. Capaz de comunicar ao espectador a inspiradora trajetória do personagem ali focalizado, a edição está disponível no YouTube.

Em junho de 2020, dois meses após a morte do dançarino e coreógrafo, aos 67 anos, por Covid, Alberto se dedicava à pré-produção da estreia do “Trace Trends”, programa voltado à valorização da cultura afro e apresentado por ele, no Multishow e no GloboPlay. Foi nesse contexto que ele recebeu um telefonema do vice-presidente da TV Cultura, Carlito Camargo, para tocar um projeto na emissora em curto prazo.

O jornalista, apresentador e documentarista então logo avisou que estaria muito ocupado nas semanas a seguir. Mas logo também reconsiderou se comprometer com mais trabalho ao ouvir o nome a ser reverenciado em um documentário.

“Quando ele falou Ismael Ivo… Eu conheci o Ismael como artista e pessoalmente, quando eu trabalhava na [produtora] Academia de Filmes. Ele ia fazer um papel no filme do Luiz Fernando Carvalho e tive então algum contato com ele. A história de vida dele é incrível, como homem preto, como eu.”

Ismael Ivo havia sido contratado pela TV Cutura em novembro de 2020 como assessor artístico, com a missão de desenvolver programas e projetos conectados a movimentos sociais da periferia.

Camargo viu em Alberto, não só negro, mas também militante da causa LGBTQIA+, o nome perfeito para produzir um filme sobre a trajetória do biografado e de seu legado.

“Na nossa primeira entrevista, ele sentiu que as minhas declarações traziam a maneira como o Ismael se comunicava, franca, aberta, sem medo. E ele me convidou para dirigir o documentário”, contou.

Ao chegar para uma primeira reunião na TV Cultura, o jornalista já encontrou à mesa representantes do RH e da direção de arte. Logo foi cercado por profissionais capazes de auxiliá-lo em pesquisas e buscas no próprio acervo da TV Cultura, que guarda relíquias de Ismael. Camargo não perdeu tempo e colocou tudo à disposição de Alberto, a fim de lançar a produção o mais breve possível.

“Não tenho a pretensão de, com o meu trabalho, torná-lo mais conhecido, mas o Brasil de fato precisa conhecer mais sobre ele e precisamos de mais gente como ele. Logo que começamos, já me veio a ideia do nome, ‘Ismael Vivo’. Eu disse: ‘vamos mostrar o legado, trazer para as novas gerações essa figura,  costurar a história dele com uma artista iniciante.”

“A carreira se cruzou com o movimento negro unificado e foi se formando enquanto artista. E como pensador, ele agia a partir dos marcadores dele: periferia, juventude, ele trazia isso tudo.”

Foram três meses de trabalho acelerado, de junho a setembro, para depois entrar em edição.

Alberto tocou a produção paralelamente ao “Trace”, que ao chegar ao Grupo Globo ganhou a adesão dos ex-BBBs João Luiz e Babu.

Com pós em documentário pela FGV, Alberto teve Eduardo Escorel e Ewaldo Mocarzel como mestres acadêmicos. O primeiro trabalho no ramo, além da própria formação jornalística, veio com uma produção sobre equalização da união civil estável entre pessoas do universo LGBTQIA+, “Eu vos Declaro”, também disponível no YouTube.

“Eu Vos Declaro”, diz seu criador, é ainda mais jornalismo do que cinema, linguagem que ele foi incorporando ao seu trabalho com novas experiências, não só pelo curso na FGV, mas também pelo período em que trabalhou na produtora Academia de Filmes, inclusive como roteirista e produtor.

Nessa trilha, “Ismael Vivo” é um divisor de águas no seu currículo como cineasta e o coloca em um novo patamar profissional.

“Trabalhando do lado de dentro de cinema e TV, eu consegui assimilar aquilo aos poucos e fazer uma narrativa audiovisual, criar uma linha narrativa para cinema. Eu também já vinha trabalhando com direção no ‘Trace’, mas ainda era mais próoximo do meu universo de formação original, o jornalismo.”

“Tenho muito orgulho do time que a gente reuniu na TV Cultura e do resultado. Até dias antes da estreia a gente estava fazendo alteraçõeso na edição, a gente tinha uma ideia de começo, meio e fim, mas foi na ilha de edição que a história foi se contando, pela família do Ismael, dos amigos dele, e a Cultura tem um acervo muito impressionante, a gente encontrou material de 1979.”

O filme tem 53 minutos e mais de 30 depoimentos preciosos, com um teor matriarcal, como destaca Alberto, pela valorização da figura feminina nas criações do biografado, o que se destaca também na predominância de relatos femininos como os de Glória Maria, Adriana Couto, Ingrid Silva (bailarina do Dance Theater of Harlem), Francesca Harper e Eliane Dias.

Há ainda depoimentos de Karl Regensburger (ImPulsTanz), Meinrad Huber, Jarbas Homem de Mello, Bethania Gomes, Ricardo Ohtake, Paulo Betti, José Adão (Movimento Negro Unificado), Danilo Santos de Miranda e João Marcello Bôscoli, entre outros.

A experiência com a Cultura funcionou tão bem que Alberto dirigiu também “O Auto do Brasil”, especial de fim de ano exibido pela emissora, com Adriana Couto e Joelmir Nakamura. Outros projetos aguardam pelo documentarista, que já foi meu colega na cobertura de assuntos de TV, exercício que cumpria com grande competência.

 

 

 

Curta nossa página no Facebook e siga-nos no Twitter

Cristina Padiglione

Cristina Padiglione