Regina Braga põe São Paulo no divã: aproveite a terapia
Enquanto nos deliciamos com as sessões de terapia de Ana Virginia, a bem-sucedida analista da novela das nove, Regina Braga está ao vivo no palco do Teatro Unimed só até este domingo (20) com o espetáculo “São Paulo”, uma ode à cidade fundada na região de Campos de Piratininga, em 25 de janeiro de 1554.
Assim como a terapeuta de “Um Lugar ao Sol” sabe como ser útil a tantos pacientes e leitores, mas não à própria filha, São Paulo talvez seja mais compreendida e contemplada por quem vem de outro sonho feliz de cidade do que por quem aqui nasceu, cresceu e se criou.
Falta ao paulistano, muitas vezes, as referências que só os que vêm de solos alheios têm para poder admirar e até odiar suas idiossincrasias, suas manhas e manias, nutrindo daí uma relação passional com a metrópole do pragmatismo.
Digo o que digo com conhecimento de causa de quem foi parida, criada e regada como planta deste pedaço de chão.
“São Paulo” tem lotado o teatro de gente capaz de rir e se emocionar com histórias como o relato do Padre José de Anchieta sobre subir a serra do mar (a pé), a visão poética de Itamar Assumpção sobre o Rio Tietê, a reflexão de Drauzio Varella sobre os passarinhos (bem-te-vis, tico-ticos, sanhaços e sabiás) que, mesmo podendo voar, insistem em morar na cidade, e textos de José Miguel Wisnik, Mario de Andrade, Oswald de Andrade, Paulo Prado, Castro Alves, Paulo Caruso, Guilherme de Almeida, Plínio Marcos, José Ramos Tinhorão, Alcântara Machado, Manuel Bandeira, German Lorca, Frei Gaspar da Madre de Deus, Carlos Augusto Calil, Paulo Bonfim, Stefan Zweig e Pedro Corrêa do Lago.
Regina vai contando histórias, incluindo depoimentos muito pessoais sobre o início de sua trajetória nas artes dramáticas, em relatos intercalados por um time muito simpático e afinado de músicos. O repertório, dominado pelo sambinha à paulista, não só dialoga com o texto da atriz, como embala com louvor suas narrativas.
Reunidos em volta da grande mesa que ocupa o palco, estão Xeina Barros (voz e percussão), Alfredo Castro (voz e percussão), Vitor Casagrande (voz, cavaquinho e bandolim) e Gustavo de Mediros / Guilherme Girardi (voz e violão).
A música é o elemento condutor do espetáculo, com uma play list que inclui “São Paulo, Chapadão da Glória” (Silas de Oliveira e Joaci Santana), “Samba Abstrato” (Paulo Vanzolini), “Viaduto de Santa Efigênia” (Adoniran Barbosa), “O Mundo” (André Abujamra), “No Sumaré” (Chico César), “Vira” (Renato Teixeira) e “Persigo São Paulo” (Itamar Assumpção), entre outras.
Fazem parte do roteiro citado pela atriz a Estação da Sorocabana (hoje estação Júlio Prestes), os casarões da Avenida Angélica, os rios subterrâneos e retificados, teatros como o Maria Della Costa, o Arena e o Oficina e a Escola de Arte Dramática, que funcionava onde hoje é a Pinacoteca, o Ferros Bar, o Gigetto e toda a rua Avanhandava. O afeto vai dos cartões postais às pessoas, com boas lembranças de Raul Cortez, Paulo José, Alfredo Mesquita, Plínio Marcos, Paulo Autran, Dina Sfat e tantos outros.
Que venham os ipês brancos, roxos e amarelos; flamboyants vermelhos, alaranjados; tipuanas; jacarandás mimosos e sibipurunas com flores amarelas. Criada a partir da leitura que Regina fez do livro “A Capital da Solidão”, de Roberto Pompeu de Toledo, a peça é resultado de um trabalho de pesquisa minucioso feito pela própria atriz.
Em cena, o resultado disso tudo faz transbordar o afeto de Regina por essa Pauliceia, e o espetáculo é muito feliz no propósito de gerar identificação em nativos e adotados por São Paulo, sem ignorar forasteiros e visitantes esporádicos.
A direção é de Isabel Teixeira, que também tem frequentado a novela das nove da Globo, de “Amor de Mãe”, de Manuela Dias, a “Pantanal”, que sucederá “Um Lugar ao Sol”.
Vá antes que acabe, que vale a pena.
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