O Pantanal e os incêndios de 2020: para além da novela, doc rende prêmio no exterior
Filme de Lawrence Wahba produzido por Jefferson Pedace, “Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” venceu o Prêmio Mérito de Sustentabilidade da 40ª edição do Wildscreen Festival. A produção brasileira concorreu com 700 outros documentários de 38 países e terá estreia internacional em Bristol, na Inglaterra, nesta sexta, 14 de outubro.
“Ainda estou em estado de choque. Em 1996, eu tinha 27 anos, era um jovem documentarista em começo de carreira e fui ao Wildscreen. Vi vários filmes na tela grande, e pensei: ‘Um dia vou ter um filme meu exibido aqui’. O Wildscreen é o maior festival de documentários de natureza do mundo”, diz Wahba.
“Os filmes são normalmente grandes produções da Disney, da Netflix, da National Geographic, da BBC, da Discovery, da Amazon Prime”, ele conta. “Produções de milhões de dólares, que concorrem ao prêmio principal, o Panda de Ouro, conhecido como o ‘Oscar Verde’. Sempre achei que a linguagem do ‘Jaguaretê-Avá’ não casava com o perfil da mostra. Sinceramente, eu não imaginava um prêmio desses.”
“Ao mesmo tempo em que essa é a realização de um sonho”, continua o documentarista, “é também a lembrança de um pesadelo, porque eu gostaria mesmo é de ver um filme meu com as belezas do Pantanal na tela grande do festival, e não saber que 15 milhões de animais morreram. Esse é o filme que eu não gostaria de ter feito. Perto do que significaram os incêndios, esse prêmio não vale nada.”
Vêm de “Jaguaretê-Avá” as imagens reais de queimadas usadas na novela “Pantanal”, quando o Velho do Rio (Osmar Prado) tentava, em vão, salvar animais das chamas. A sequência está no Top 10 dos assuntos mais comentados no Twitter ao longo do folhetim.
DIAS DE QUEIMADAS
O documentarista Lawrence Wahba fez dezenas de expedições ao Pantanal ao longo dos últimos 30 anos. Foi na 44ª delas, em março de 2020, enquanto filmava numa área remota da maior planície alagável do planeta, que o diretor foi surpreendido com o anúncio de que a OMS (Organização Mundial da Saúde) havia decretado a pandemia de Covid-19.
No retorno emergencial para isolar-se em São Paulo, onde mora, ao sobrevoar o Pantanal, Wahba foi surpreendido por focos de incêndio atípicos para aquele período do ano. Era o presságio de uma ameaça igualmente assombrosa: a escalada de queimadas jamais vistas, muitas delas de origem criminosa e que, entre junho e outubro de 2020, devastaram o Pantanal, deixando um saldo de mais de 15 milhões de animais mortos e um prejuízo ambiental sem precedentes.
Em agosto, sem aguentar ficar parado diante de um cenário que acompanhava a distância, Wahba idealizou a formação de uma brigada de incêndio que logo contou com o crescente apoio de voluntários. No começo de setembro, o documentarista ignorou os riscos da pandemia e decidiu voltar ao Pantanal, a fim de se juntar ao grupo de profissionais e voluntários que, na contramão da omissão do Governo Federal, não media esforços para tentar combater o fogo, minimizar o impacto das queimadas e salvar animais.
Wahba articulou novas frentes para ampliar as ações da brigada voluntária composta por ribeirinhos, pescadores, indígenas e fazendeiros, entre outros. A iniciativa deu frutos e gerou perspectivas para a região.
“A ideia de criar a Brigada Alto Pantanal foi minha, mas o personagem central para a sua construção foi o Coronel Ângelo Rabelo, do Instituto Homem Pantaneiro. Empregamos ribeirinhos com experiência no combate ao fogo e que estavam sem trabalho em meio à pandemia”, ele conta.
“A brigada continua ativa e a gente tem muito orgulho porque, dois anos depois, esses ribeirinhos estão treinados, uniformizados e capacitados, com salário e carteira assinada. Quando tem incêndio, eles fazem o combate; quando não tem, visitam comunidades, ajudam no manejo das roças e dão orientações sobre o uso do fogo”, orgulha-se.
A criação da Brigada Alto Pantanal, que protege uma área específica, a Serra do Amolar, contou com o apoio de primeira hora de empresários e de personalidades como Luciano Huck e Gisele Büdchen, que impulsionou doações de aporte financeiro e inspirou ações de outras instituições do terceiro setor, como a ONG SOS Pantanal, resultando na criação de 26 brigadas. Os estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul também destinaram verbas para o combate aos incêndios.
A presença dos incêndios na ficção, com imagens de alto impacto, fez também com que o interesse pelo documentário voltasse a subir, para a felicidade do diretor, às vésperas de vivenciar um momento de celebração aos seus 30 anos de dedicação à causa ambiental.
Em paralelo ao serviço voluntário, com câmera na mão e ajuda de outros cinco cinegrafistas – Thamys Trindade, Diego Rinaldi, Mike Bueno, Ernane Junior e Cesar Leite – para dar conta da dimensão das queimadas, Wahba apenas constatou que o filme que planejava fazer no começo de 2020, baseado em uma série de registros sobre a exuberante beleza do Pantanal, ganhava agora o caráter de um testemunho de horror.
“Jaguaretê-Avá: Pantanal em Chamas” foi concluído em 2021 e chegou ao GloboPlay em 12 de novembro, o Dia do Pantanal. Coproduzido pela Wahba Filmes e Jefferson Pedace, o filme segue disponível na plataforma.
“Faço um destaque especial ao Marco Del Fiol e à Tatiana Lohmann, diretores de documentários mundialmente reconhecidos e premiados, que foram os montadores”, sublinha Wahba. “Por causa deles, digo que o filme tem praticamente três diretores.”
O título liderou a lista dos mais vistos no Globoplay em sua primeira semana, e rendeu à novela “Pantanal” aquelas imagens de incêndios perseguidas pelo Velho do Rio, sequência que está no Top 10 de cenas mais comentadas no Twitter ao longo do folhetim.
“As exibições que a gente fez no Green Nation foram de total catarse. O público inteiro chorando, as pessoas me abraçando no fim do filme. Estou agora na expectativa de ver como a audiência internacional vai reagir”, conclui Wahba.