Por Cristina Padiglione | Saiba mais
Cristina Padiglione, ou Padi, é paga para ver TV desde 1990, da Folha da Tarde ao Estadão, passando por Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo

Um olhar sobre o sublime ‘Homem-Aranha: Através do Aranhaverso’

Por Gautier Lee (*)

 

Qualquer palavra aquém de sublime não é suficiente para descrever “Homem-Aranha: Através do Aranhaverso”. Cada frame da animação é rico em detalhes e deslumbrante. O filme é ainda mais ousado e ambicioso que seu antecessor e se propõe a desconstruir os mitos da Marvel a respeito do herói através da visão de mundo pela perspectiva de outras pessoas-aranhas.

Agora com 15 anos, Miles Morales finalmente tem controle sobre seus poderes, mas agora o desafio é conciliar os estudos, a vida em família, o trabalho de super herói, além de lidar com os problemas habituais da adolescência. Conforme os pais dele ficam cada vez mais desconfiados da vida dupla do filho, Miles tem que se defender do vilão Mancha, um ser transdimensional que ameaça o multiverso. Para Miles, vivendo a vida solitária de herói-aranha, a solidão e o interesse romântico por Gwen são únicos para ele e para o universo ensolarado e em tons quentes em que ele vive.

No entanto, quando a Mulher-Aranha revela que se juntou à Sociedade Aranha, uma força-tarefa de heróis que viajam pelo multiverso, uma mistura peculiarmente bizarra de entidades-aranhas, incluindo até mesmo o Spider-Rex, toma conta. O filme se aproveita para mostrar o melhor de si e traz uma mescla de piadas visuais, estilos diferentes de animação e memes sem apelar descaradamente para o fan service. Cada novo Aranha que é apresentado, mesmo que brevemente, traz uma ótima adição ao enredo.

Pavitr Prabhakar, o Homem-Aranha indiano, traz referência à moda contemporânea de seu país de origem, enquanto Hobie Brown, o Punk-Aranha, é desenhado na estética clássica da cena punk londrina. Mas é Gwen quem realmente ganha destaque no filme, que explora a história de origem trágica e o senso de deslocamento da personagem. O universo dela possui uma estética deslumbrante e colorida, permeada por tons suaves de rosa, azul e roxo, que é acompanhado de uma trilha sonora repleta de rock e hip-hop.

Enquanto Miles se preocupa com a possibilidade de um romance entre Hobie e Gwen, o filme usa os dois personagens para mostrar a dualidade entre a solidariedade negra e a conveniência do aliado branco. Gwen aceita a teoria da Sociedade Aranha de que Miles é uma anomalia que põe em risco todo o multiverso e esconde a verdade do amigo. Quando Miles é perseguido pelos inúmeros Homens-Aranhas e suas variantes, a briga toma um rumo drástico quando Miguel O’Hara, o líder militaresco da Sociedade, captura Miles. Gwen e Peter B. Parker dizem a Miguel que há outras maneiras de lidar com a situação, mas nenhum dos dois toma uma atitude para ajudar a libertar Miles.

Mas Hobie faz o movimento oposto. Ele é o único dos Aranhas que não duvida de Miles e reitera o conselho de que ele não deve esquecer quem ele é, com ou sem a máscara de super-herói. O punk também enfatiza que Miles não precisa fazer parte de um sistema que não o valoriza e o subestima. Há também um breve momento onde Margo, a Spider-Byte, está tentando impedir Miles de ligar a máquina que o levaria de volta ao seu universo.

Porém, uma breve troca de olhares faz com que Margo desista de desligar a máquina, permitindo que Miles escape. As consequências da fuga caem sobre Gwen, que é mandada de volta para casa.

A trama central do filme enfatiza, de forma bastante explícita, como mesmo dentro de um multiverso repleto de Homens-Aranhas e suas mais bizarras variações, Miles continua sendo único. Seja por sua negritude, seja por sua ancestralidade latina ou seja por nunca ter sido parte da Era de Prata dos quadrinhos, Miles sempre teve o seu lugar como Homem-Aranha. E isso fica refletido no longa através do esforço incomum que Miguel, assim como alguns fãs, faz para manter o status quo do cânone acerca do herói. E a obra encoraja o espectador a usar o próprio senso crítico para refletir sobre quem Miles é, o que ele representa e qual é o real significado por trás das críticas acerca do fato de ele ser, induvidavelmente, o Homem-Aranha.

“Através do Aranhaverso” cumpre com excelência a missão de ser uma sequência com estética e voz própria que se arrisca a não reproduzir os acertos do primeiro filme. No entanto, o grande ponto negativo é o final aberto que deixa o espectador com a impressão de que faltou tempo para abordar todas as tramas. Apesar disso, graças ao ritmo instigante e ao humor presente nos personagens e diálogos, o filme nunca se torna monótono.

A diretora e roteirista Gautier Lee /

(*) Este artigo foi feito especialmente para o blog por Gautier Lee, uma das fundadoras do Macumba Lab, coletivo de profissionais do audiovisual negro no Rio Grande do Sul. Trabalhou em séries para a Amazon, Netflix, Globoplay e Comedy Central. Recentemente, ganhou o 6º Prêmio Abra na categoria de Excelência em Roteiro. E em 2020, escreveu e dirigiu o curta “Desvirtude” que, em sua estréia no Festival de Cinema de Gramado levou os prêmios de Melhor Montagem, Melhor Atriz, Juri Popular, Melhor Direção e Melhor Filme. Agora em setembro, lançou seu filme “Samba às Avessas”, inspirado no disco de mesmo nome da sambista Pâmela Amaro. Por fim, Gautier também levanta a bandeira em relação à luta de pessoas trans na sociedade.

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Cristina Padiglione

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