Saída de Bonner do Jornal Nacional pavimenta o fim de uma era

A saída de William Bonner do Jornal Nacional, anunciada neste 1º de setembro, vem embalada em um processo de transição muito bem-sucedido no jornalismo da Globo. Cesar Tralli, que há tempos já é o substituto mais cotado para a cadeira, confirmou as apostas e traz à bancada do principal noticiário do país a figura do repórter no DNA, uma trajetória que nenhum de seus antecessores cumpriu.
Na prática, a passagem de bastão não é para já, vai aguardar até novembro. A decisão estará na edição desta segunda-feira do JN. É justo. Como Bonner lida com os boatos de sua saída do noticiário há anos, nada mais apropriado que dar ao Jornal Nacional, também nesse episódio, o peso que ele tem: o de imprimir veracidade a determinada informação. Para milhões de brasileiros, a dúvida sobre algum assunto se desfaz a partir de sua veiculação no JN.
De certa forma, como Tralli já apresentou o JN tantas vezes e está diariamente em dois jornais de rede – o Hoje, na TV aberta, e o Edição das 18h, na GloboNews – o processo todo se dá de modo muito orgânico, sem choque para o público. E nem de longe vai causar o impacto que houve quando Bonner entrou no JN para suceder Cid Moreira (1927-2024), em 1996. Naquela ocasião, a opção do então diretor de jornalismo da Globo, Evandro Carlos de Andrade (1931-2001), era trocar um locutor por um jornalista, para eventuais intervenções no script, o que foi se tornando cada vez mais necessário e frequente.
Boni, que ainda era chefão da TV, votou contra. Acreditou que o choque para o público seria imenso, e propôs que Bonner ocupasse a bancada ao lado de Cid, na vaga de Chapelin, inicialmente, para só mais tarde completar a substituição total por jornalistas. Evandro peitou e realizou a troca mais radical já sofrida na apresentação do JN, incluindo a titularidade de uma mulher.
Mas a saída de Bonner do posto pavimenta o fim de uma era, como informa o título deste post, no contexto dos nomes superlativos da TV, como Silvio Santos, Faustão, Galvão Bueno, Hebe, Xuxa, Jô Soares e, além de Cid Moreira, o próprio Bonner.
Ou seja, só faltava ele deixar o JN para encerrar essa galeria dos representantes máximos em cada categoria. A nova ordem mundial, com fragmentação de telas e players, obriga a televisão a ser mais contida na celebração de seus grandes talentos, o que se mostrou na troca da preposição dos programas de auditório – o Domingão “do” Faustão virou Domingão “com” Huck, facilitando o peso das trocas futuras.
São figuras que tornaram a televisão mais dependente deles do que o contrário, a ponto de os mandatários da indústria retardarem o quanto foi possível a saída de cada um deles da cadeira que os consagrou. Bonner, como aconteceu com Xuxa, Cid, Galvão e Fausto Silva, não busca propriamente uma aposentadoria, mas algum projeto que lhe exija menos tempo que a edição e apresentação do JN.
Bonner deixa o JN como titular de maior longevidade do noticiário. Em novembro de 2022, como relatei na coluna Zapping, na Folha de S.Paulo, ele superou Cid Moreira ao completar 26 anos e sete meses à frente do noticiário. Ou seja, agora chega aos 29 anos e cinco meses de cadeira.

Cid Moreira e William Bonner durante as celebrações dos 50 anos do JN, em 2019. Foto: João Cotta/Divulgação
A Globo escolheu este 1º de setembro para anunciar a saída, dia de aniversário do JN. E como este ano não teremos eleições, essa distância para outubro de 26 trata de afastar teorias da conspiração – e são muitas – sobre eventuais razões políticas para a troca.
Bonner estreou na bancada do Jornal Nacional num 1º de abril, em 1996, ao lado de Lillian Witte Fibe, que passou dois anos no posto. A seguir, veio Fátima Bernardes, então casada com ele, que permaneceu na cadeira até 2011, quando chegou Patrícia Poeta. Três anos depois, Bonner passaria a ter a companhia de Renata Vasconcellos, com quem está até hoje.
Além da ilibada carreira na reportagem, Tralli tem a seu favor as preciosas pesquisas de percepção que a Globo frequentemente faz sobre sua programação junto ao público. Sereno, sem tropeçar na sisudez que por muito tempo predominou naquele cenário, o jornalista é visto como alguém que transmite esperança e calma ao espectador mesmo diante das notícias mais alarmantes, sob a dose adequada de seriedade.