Morte de Halim é sequência histórica para a TV
Apedrejado pela peruca, figurino e falta de sintonia com o Afrânio de Rodrigo Santoro, na novela “Velho Chico”, Antonio Fagundes pode agora ser reverenciado à exaustão por seu Halim, o patriarca do romance “Dois Irmãos”, de Milton Hatoum, que termina nesta sexta, na Globo.
Na verdade, Halim precedeu Afrânio – a série foi gravada antes de “Velho Chico”. De minha parte, tenho me ajoelhado por suas cenas desde o primeiro capítulo. Cada palavra pronunciada (mesmo quando o texto vem no idioma do imigrante libanês que ele representa), cada pausa, cada olhar, cada passo comove. O envelhecimento vai aflorando nele uma memória seletiva, o que confessa quando diz que prefere se lembrar das coisas boas, ou daquilo que o fará viver mais um tempo. Responsável pela adaptação para a TV, Maria Camargo reproduz com fidelidade as boas frases do original, vencedor do Prêmio Jabuti como melhor livro de Ficção em 2001.
Fagundes é certeiro no acento e na lágrima que escorre face abaixo, pela barba, em silêncio. Aliás, o Halim da TV tem silêncios, o que o livro de Hatoum explicita, mas que a indústria televisiva, na obsessão de manter o espectador ligado, normalmente despreza. Amém, isso não acontece na série. O respeito às vírgulas, pausas e hipérboles é algo que, na urgência desse universo de linguagem clipada que nos é imposto na TV, web e cinema, infelizmente tem sido confundido com “chatice”. Francamente, nada mais chato que essa incompreensão.
Como diz meu colega Luiz Zanin Oricchio, e peço licença para reproduzi-lo, “negar a grandeza de ‘Dois Irmãos’ pode ser uma cegueira estética, quando não emocional”.
A morte de Halim (e não me venham acusar de dar spoilers, que o livro está aí há mais de uma década e meia), no penúltimo capítulo de “Dois Irmãos”, nesta quinta-feira, não pode ser vítima dessa cegueira emocional. Vi pelo GloboPlay e fico cá a imaginar a cara dos espectadores encantados com a série, diante da sequência da despedida do patriarca. Eliane Giardini, Irandhir Santos e Cauã Reymond, sem falar no próprio “morto”, que “atua” com vigor na cena, transformam a passagem de Halim num dos momentos mais cruciais da dramaturgia de TV nacional. Irretocável.
Estático, Fagundes é chacoalhado, quase esbofeteado, pelo filho Omar, quando o frágil Nael, personificado na timidez emprestada pela delicada interpretação de Irandhir, encontra forças sabe-se lá onde para conter o instinto animal do Caçula, com quem o pai não falava havia muito tempo. “Por que você não fala comigo?”, esbraveja o herdeiro, ao confrontar o cadáver do pai.
De chorar. De doer.
Nesta quinta, após “A Lei do Amor”