Amada ou odiada, ‘Velho Chico’ não passa despercebida
Aproxima-se a hora de se despedir da novela que pareceu tão chata a uns e tão deslumbrante a outros. Eu me incluo no segundo grupo e não tenho qualquer problema em admitir uma posição. Seja lá como for, ‘Velho Chico’ não passou despercebida, e isso nada tem a ver com a repercussão em torno da tragédia que vitimou seu protagonista, Domingos Montagner, na reta final do percurso, por força de seu principal cenário, o rio São Francisco.
O caso é que o discurso de engajamento, seja na questão de oprimidos e opressores, seja na questão do racismo, seja na questão da mulher, frequentou absolutamente todos os capítulos. A trama se fez notar por vários códigos, mas, em especial, pela questão de figurino e caracterização, que tanto incomodaram crítica e público.
Repare que Christiane Torloni passou cento e tantos capítulos com cabelos presos a um irretocável coque. A decisão de deixar o coronel para trás, na fazenda, e retomar sua vida em Salvador, há apenas três capítulos, libertou aqueles fios, agora finalmente soltos em cena.
Repare que Marcelo Serrado foi vestindo ternos cada vez mais escuros, à medida que seu Carlos Eduardo ia revelando a faceta de vilão. E que a peruca de Antonio Fagundes, que tantas controvérsias causou desde o princípio, tem aparecido cada vez menos alinhada em cena. São sinais que o diretor Luiz Fernando Carvalho dá para traduzir as transformações nas criaturas da trama de Benedito Ruy Barbosa, Edmara Barbosa e Bruno Luperi. Da mesma forma, Afrânio tem retomado a cor do figurino dos idos do Afrânio de Rodrigo Santoro, abandonando as cores berrantes de Odorico Paraguaçu que lhe foram conferidas no auge de sua performance como Saruê. Indícios da paz que se aproxima para a redenção final.
Ainda outro dia, eu e meu colega Diego Bargas, do ‘Diário de São Paulo’, ouvíamos Walter Carvalho, diretor de fotografia que tem trabalhado com José Luiz Villamarim e esteve nos créditos da excepcional série ‘Justiça’, o que ele dizia sobre o figurino de ‘Velho Chico’: “No momento em que o espectador para para se perguntar por que a camisa do rapaz (Gabriel Leone/Miguel) parece um vestido, nas costas, esse telespectador é levado a pensar, a refletir, isso o incomoda a ponto de não ver aquilo de modo passivo e a se perguntar a razão daquele figurino”, disse Walter, elogiando o trabalho de Luiz Fernando e a concepção da novela das 9.
Para muitos, as caracterizações eram incompreensíveis ou careciam de legendas. É um risco cutucar o público na TV aberta, onde boa parte da publicidade se deixa levar pelas frações de audiência quantitativa. Mas que bom que ainda tem quem se permita fugir da curva e criar novos parâmetros estéticos, a fim de afetar o sujeito da poltrona e alimentar uma audiência mais qualitativa.