‘Velho Chico’ é muito mais política que ‘Lei do Amor’
Afrânio, ex-coronel Saruê, termina ‘Velho Chico’ fazendo revisão de consciência, como convém aos finais de novelas e aos aparentes vilões das tramas de Benedito Ruy Barbosa. Numa réplica da vida real, Afrânio resolveu fazer delação premiada ao Ministério Público em uma investigação sobre fraudes em licitações. As motivações, no entanto, são mais puras, sem interesse em vingança ou nas próximas eleições.
O que vale ser mencionado em alto e bom som é que um dos propósitos da Globo ao adiar ‘A Lei do Amor’, dando a vez a ‘Velho Chico’ nesta temporada, era evitar a abordagem política em período pré-eleitoral. ‘A Lei do Amor’, afinal, tem senador e deputado entre os personagens, o que poderia inibir a criação das ações da história de Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari. Mas é difícil crer que ‘A Lei do Amor’, próxima novela do horário, seja mais política que ‘Velho Chico’. O enredo dos Saruê X Capitão Rosa e Santo/Bento dos Anjos não deu pausa em torno da questão sobre oprimidos e opressores, sobre o coronelismo que ali se impõe muito mais que uma milícia e domina o espaço que em tese seria do estado.
“Onde o estado se ausenta, nascem os coronéis”, diz a Afrânio o promotor que escuta atentamente suas informações.
Pouco antes, o ex-prefeito lamenta a eleição da professora Beatriz (Dira Paes), como efeito “dessa tal de democracia”.
No primeiríssimo capítulo de ‘Velho Chico’, um diálogo entre Encarnação (Selma Egrei) e Jacinto (Tarcísio Meira) já prenunciava esse teor político que prescinde de políticos, no sentido de representantes do poder executivo ou legislativo. Dizia a mulher ao marido: “Você é o maior político que eu conheci e nunca foi político”.
Aí mora a melhor abordagem do assunto no quesito conscientização política, quase como merchandising. Ainda que ‘Velho Chico’ tenha um vereador, um deputado e agora tenha feito de Dira Paes a prefeita de Grostas, foi nas entrelinhas dos textos de Santo dos Anjos, nosso saudoso Domingos Montagner, e da própria Beatriz, a professora, antes mesmo de engatar o discurso de campanha eleitoral, que a reflexão se mostrou mais intensa.
Fazia tempo que uma novela não se exibia tão engajada politicamente, sem jamais esbarrar em questões partidárias. E se encerra na véspera de um pleito eleitoral, o que não é obra de decisão da direção da Globo, mas talvez, ou muito provavelmente, eu arriscaria dizer, uma ‘coincidência’ promovida, de modo pensado, pelo diretor Luiz Fernando Carvalho e os autores, Benedito Ruy Barbosa e Bruno Luperi.