Em entrevista exclusiva, Zico fala sobre renovação com Esporte Interativo e pasteurização do futebol
Astro do staff do canal Esporte Interativo desde 2011, bem antes de a grife ser adquirida pelo grupo Turner, Arthur Antunes Coimbra, o Zico, renovou contrato com a emissora até a Copa de 2018 e avança na missão diante das câmeras, com um novo canal no YouTube. Embora o Esporte Interativo não tenha os direitos de transmissão da Copa, o evento fornece conteúdo de sobra para ser explorado por comentaristas de todas as sintonias e, no caso do canal onde Zico se encontra, com farto rendimento nas redes sociais. O EI tem hoje surpreendentes 15,4 milhões de fãs no Facebook, plataforma cada vez mais interessada em absorver eventos esportivos que não entraram em acordo com nenhum canal de TV.
Em entrevista exclusiva ao TelePadi, Zico critica a pasteurização da cobertura jornalística do futebol, cujos dirigentes blindam seus jogadores e fecham o acesso aos treinos, produzindo a mesma informação para todos os veículos. E incentiva a tentativa de se buscar, no terreno dos direitos esportivos de transmissão, o melhor negócio para o esporte – lembrando aí que o canal Esporte Interativo tirou do SporTV um grupo de times que compunham o Clube dos 13 nas negociações pelo Brasileirão, causando para o grupo Globo um desconforto inédito em mais de três décadas.
Atualmente, Zico apresenta o “Noite dos Craques”, às terças, na companhia do grande amigo Rivelino, sob mediação de Vitor Sérgio. A cada semana, recebem um convidado e comentam os erros em campo. Na renovação de contrato, acertou sua participação em mais um horário semanal, a definir, e sua ida para a Rússia na Copa que está por vir. Recentemente, entrevistou Neymar. E, como não poderia deixar de ser, é reconhecido e reverenciado onde chega, nos estádios daqui e de fora.
Vamos à nossa conversa:
TelePadi – Você já tinha alguma experiência como comentarista antes de chegar ao Esporte Interativo (EI).
Zico – Ah, já. Em 90 eu fiz a Copa do Mundo com a Band, programa ao vivo lá da Itália. O Luciano do Valle criou um programa chamado ‘Apito Final’ e a gente entrava todo dia ao vivo, eu tinha acabado de parar de jogar e também comentávamos os jogos da Copa.
TP – Você tem comentado jogos da Liga dos Campeões da Europa e jogos da Copa do Nordeste. É mais confortável falar dos times estrangeiros e dos clubes longe do Rio, onde você tem mais relações próximas? Não há aquela reserva em falar sobre alguém que você pode encontrar na rua amanhã?
Zico – Eu não, eu não tenho nenhuma preocupação quanto a isso, eu falo aquilo que eu vejo, aquilo que eu acho, eu falo do jogo, não falo do que o cara deixa de fazer ou do que ele é. Se tá bem, tá bem, se tá mal, tá mal.
TP – E se tivesse que comentar jogos do Flamengo, seu time do coração, o distanciamento seria diferente?
Zico – Não porque o meu espírito é esse. Não estou preocupado com a paixão, eu falo aquilo que poderia ser feito ou que deixou de ser feito, dentro daquela partida, não sou aquela coisa de números e estatísticas, vejo o que o cara tá vendo no jogo, mas com a experiência que a gente adquiriu, a gente enxerga algumas coisas a mais.
TP – No tempo em que você jogava, essas opiniões fora de campo chegavam a te incomodar?
Zico – Não, eu só tinha pé atrás com aqueles que perseguiam, tem aqueles que querem se valorizar em cima de você, tem muito disso. Eu sempre procurei tirar o lado positivo de alguma crítica, no sentido de levar pro lado construtivo e não como se o cara estivesse perseguindo ou estivesse ali pra me criticar. Eu valorizo a pessoa que fala na TV ou no rádio e que comparece ao treino e comparece ao jogo. Eu não gosto do sujeito que critica e fala sem botar o pé ali. O cara tem que ver o que está acontecendo no treinamento, no jogo, principalmente na minha época, em que era tudo aberto. Agora não é mais e o cara tem que ir no estádio. Comentar pela televisão, no ar refrigerado, não dá, é mole. Por isso é que eu gosto de estar no estádio, você vê a situação geral do que está acontecendo e não só o que a TV te mostra.
TP – Essa situação atual, em que os dirigentes dos clubes blindam os jogadores, sem permitir acesso aos treinos, e restringindo o espaço à emissora que tem os direitos de transmissão, o que melhor ou piorou do que no seu tempo de jogador?
Zico – O que piorou é que não adianta você ler jornal, ver televisão, que é tudo a mesma coisa: a pergunta é a mesma para todos, a resposta é a mesma, não tem mais furo. O cara leu um jornal, já leu todos. Já viu um canal, viu todos, a não ser que ele goste de ver A ou B, mas tá tudo pasteurizado, as notícias são as mesmas, é aquela coisa de que só um cara dá entrevista, e já tem lugares que você não pode perguntar A ou B, não pode perguntar isso ou aquilo.
TP – No futebol europeu também não é assim?
Zico – Ele sempre funcionou assim, pela cultura, mesmo na época nossa, o jornalista não entrava dentro do campo, não fazia entrevista dentro do campo. Mas, acabando o jogo, todo mundo vai ali e fala, não fala só quando ganha. O que não pode é quando perde, sair aborrecidinho, não falar nem uma palavra. Tem que saber que futebol tem os dois lados.
TP – As redes sociais, onde o Esporte Interativo é muito forte, não compensam, de alguma forma, essa pasteurização, abrindo espaço para todo mundo dizer o que pensa e sabe?
Zico – Eu acho que essa ligação direta que o Esporte Interativo tem mudou um pouco a linguagem de televisão, isso é legal, essa linguagem moderna, com a participação de todo mundo. O cara vai ter o jogo mas vai ficar atento ao que está acontecendo por ali.
TP – Na sua experiência de técnico de futebol, você não achava bom ter uma blindagem e não ter que abrir o treino para jornalista acompanhar?
Zico – Eu não, eu nunca tive sesse problema. Eu só acho que tem que ter horário para aquilo, sempre mantive aberto o treinamento. Se o cara tá ali vendo tudo, ele não tem necessidade de ficar falando com você todo dia. Ele tá vendo o que está acontecendo.
TP – Você foi candidato à presidência da Fifa, disposto a sanar um esquema que trouxe várias informações de corrupção à tona. Depois daquilo, aqui no Brasil, também fomos vendo desmoronar toda aquela euforia da Copa, não só pela ressaca do 7 X 1, mas por notícias de superfaturamento na construção dos estádios de futebol. Esse quadro tem conserto?
Zico – A gente vê com muita tristeza essa vergonha que foi tudo isso que aconteceu, essa supervalorização dos estádios e alguns viraram elefante branco. E o maior exemplo é o Maracanã. Pra quem gosta do futebol e tá no futebol como eu, é doloroso.
TP – Em algumas entrevistas que tem dado, o Casagrande tem cobrado dos jogadores atuais mais posicionamento e menos silêncio em relação aos problemas do país e à política, lembrando que futebol também tem sua política. Você concorda com isso?
Zico – Eles têm que falar sobre o que eles entendem, que é futebol, que é a área que ele pode falar com autoridade. Ele se posicionando ali, ele pode servir de exemplo para outras áreas. O problema é que futebol, no Brasil, é uma área em que todo mundo se mete. A gente não fica criticando se o cara tá trabalhando bem na novela, se tá cantando bem ou cantando mal. Mas no futebol, todo mundo tem uma opinião, se estão jogando bem ou mal. As outras áreas se metem no futebol,o que o futebol não faz com outras áreas. Eu não entendo o dia a dia da política e não tenho que ficar me metendo na política, eu tenho que me manifestar, como cidadão, se a gente está vendo que as coisas, para o cidadão, não vão bem.
TP – Mas você acha os jogadores de hoje são mais silenciosos do que no seu tempo?
Zico – Eles são silenciosos na área deles, na área do futebol. A participação é muito pequena. Mas teve um grupo que foi criado com bom senso, ao qual eu apoiei, de jogadores que estavam encerrando a carreira, e muitos deles acabaram marginalizados nos clubes. Às vezes há uma preocupação do jogador quanto a isso.
TP – O que espera da Copa que vem aí e da seleção?
Zico – Espero que o Brasil vá pra final, está no caminho certo, superou o momento difícil.
TP – Você também está no YouTube
Zico – Vai lá, dá uma força lá pra gente, tá indo bem, graças a Deus. A gente cria uma imagem, o pessoal vai lá com satisfação, já sabem que a gente não está ali pra botar ninguém na parede, de todas as áreas e os primeiros jogadores estavam meio reticentes, depois começaram a ver como a gente fazia as entrevistas, agora todo mundo tá bem mais solto e relaxado, o papo flui melhor.
TP – Como você vê esse movimento de mudanças em relação à política de direitos de transmissão do futebol, não só com relação ao Brasileirão, onde alguns clubes trocaram SporTV pelo Esporte Interativo, mas também em relação aos jogos da seleção: os últimos amistosos, pela primeira vez em quatro décadas, ficaram fora da Globo.
Zico – Acho que está certo. Você tem que analisar todo esse comércio que existe dentro do futebol e ver o que é melhor para o futebol, que seja uma concorrência leal. Eu, por exemplo, realizo aqui uma Copa Brasil Japão de Sub 15, em agosto, e o Esporte Interativo inclusive transmite a final ao vivo, mas vou passar tudo pelo Facebook. É uma opção que a garotada tem, uma oportunidade de conseguir anúncio, patrocinador para viagem, hotel, as premiações. Então é legal, o caminho é esse mesmo.