Autor de ‘O Casarão’ e ‘Salvador da Pátria’, Lauro César Muniz chega aos 80 desempregado
Em um mercado que tanto se queixa da falta de roteiristas, poderia um sujeito que escreveu novelas como “O Casarão” (1976) e “O Salvador da Pátria” (1989), tendo mantido fôlego no lançamento de histórias para folhetins e séries ao longo das décadas seguintes, chegar aos 80 anos lucidamente, sem contrato com qualquer emissora ou produtora?
Lauro César Muniz assinou “As pupilas do Sr. Reitor” (1ª versão, em 1970, baseada no romance de Júlio Dnis), “O Bofe” (1972), “Carinhoso” (1973), “Escalada” (1975), “Espelho Mágico” (1977), “Roda de Fogo” (1986), “Mandala” (1987) “Chiquinha Gonzaga” (1999) e “Aquarela do Brasil” (2000). A última novela para a Globo, “Zazá” (1997), com Fernanda Montenego, tinha um excelente argumento, mas sofreu no desenvolvimento.
Cinco anos após a série “Aquarela do Brasil”, sem encontrar espaço na Globo, foi contratado a peso de ouro pela Record, onde fez “Cidadão Brasileiro” (2006). Cheia de expectativa por essa estreia, parei para ver o primeiro capítulo ao lado de minha mãe, dona Guiomar, e as mães são sempre excelentes termômetros para críticos chatos que, como eu, ficam atentos à iluminação, ao cenário, à produção de arte, às atuações, esquecendo-se, muitas vezes, de sentir o quanto aquela história é capaz de comover o público.
“Engraçado”, começou dona Guiomar. “O autor era da Globo, os atores eram da Globo, mas você vê que a novela não é da Globo”, ela concluiu.
Essa observação passaria a me guiar por várias outras estreias. Ela tinha razão. E não é que a produção tivesse de ter “cara” de Globo, mas, neste contexto, “ser da Globo” significava, muito mais que hoje, ter qualidade de imagem e acabamento, o que vai da sequência de diálogos à montagem da produção. Faltava à Record um padrão de acabamento digno da biografia do autor.
“Cidadão”, no entanto, foi uma novela heroica para os padrões da Record, que, como constatamos até hoje, está mais interessada em propagar os preceitos da Igreja à qual pertence do que em necessariamente contar uma boa história.
Ainda na Record, Lauro fez a ótima “Poder Paralelo” (2009) e “Máscaras” (2012), sem encontrar, a seguir, interesse da casa em suas sinopses.
Em 2015, voltou à Globo, onde, a princípio, deveria escrever uma sinopse candidata a algum dos horários de séries e folhetins, sem contudo ter tido chance de emplacar uma nova sugestão. O contrato era de curto prazo e, vencido, não foi renovado.
Em 2016, trabalhou para a supervisão da área de teledramaturgia na reestruturação do canal chileno TVN.
Um aviso a quem procura novos projetos para a área de audiovisual: na gaveta, tem uma série sobre Castro Alves com sinopse prontinha, que chegou a ser oferecida à Globo e à Record, e um filme sobre o maestro Carlos Gomes, autor de “O Guarani”.
Lauro acumula 16 peças de teatro, ao menos 25 novelas e quatro séries (cinco, se considerarmos a parceria com Walther Negrão em “Shazan e Sherife”).
Meninos, eu vi!
Neste aniversário de 80 anos, destaco a antológica “O Casarão”, e a cena final entre Yara Cortez e Paulo Gracindo – “Eu te fiz esperar muito?”, ela pergunta a ele, amor de juventude, no primeiro reencontro que levará os dois a finalmente consumar esse romance; e ele responde: “40 anos”, ao som de “Fascinação”, na voz de Elis Regina (como bem me alertou a leitora Terezinha Gomes da Silva, pelo Facebook).
E me estendo a seguir sobre o título de sua autoria que fez mais barulho, no melhor sentido, em todo o país.
Corria o ano de 1989, primeiro calendário que permitira ao brasileiro votar para presidente da República após 29 anos. O protagonista da trama, Sassá Mutema, vivido por Lima Duarte, era um boia fria analfabeto que servia de laranja ao empresário Severo Toledo Blanco (Francisco Cuoco), o homem mais poderoso da região da fictícia Ouro Verde. Ele escolhe o ingênuo caipira Sassá para se casar com sua amante, Marlene (Tássia Camargo). O fato chega a Juca Pirama (Luís Gustavo), um radialista inescrupuloso que explora demagogicamente o episódio. Logo, um duplo homicídio vitima Marlene e Juca, e tem em Sassá o principal suspeito.
Preso, Sassá conta com o apoio da professora Clotilde (Maitê Proença), que consegue provar sua inocência. Sassá ganha popularidade e passa a ser alvo das atenções dos políticos locais, que querem manipulá-lo, transformando-o em prefeito da pequena e fictícia cidade de Tangará. A trama, evidentemente, acabou por inspirar teorias da conspiração que viam em Sassá a figura de um dos candidatos que foi ao segundo turno em 89, Luiz Inácio Lula da Silva, derrotado na eleição por Fernando Collor, que era então apoiado pela Globo.
A trama chegou a ter 62 pontos de audiência na média de seus 186 capítulos, um fenômeno, mesmo para a época, quando a Globo desfrutava de inquestionável hegemonia na TV, ainda na era pré-TV paga.
A trilha de Sassá ficou marcada por “Lua e Flor”, na voz de Oswaldo Montenegro, e a novela serviu ainda ao lançamento de uma nova cantora: Marisa Monte estreava ali com “Bem que se Quis”.
Um viva ao autor!
Aliás, seu repertório é uma ótima sugestão ao Viva, que nunca reprisou uma novela sua.