Afinal, o que faz um showrunner?
Por Felipe Braga (*)
O termo showrunner vem ganhando destaque na mídia brasileira conforme o mercado de séries se expande. Seu emprego tem se dado de forma um tanto livre — para não dizer aleatória —, sem que nos perguntemos o que ele significa e a quem se refere (com quais qualificações). Não raramente, seu uso tenta indicar “quem manda”, mas um “quem manda” com ares de novidade (ou modismo) e um verniz de autoria. Há no entanto mais por trás desta palavra, que deveria ser indicativa de novos processos no desenvolvimento de narrativas. Mas afinal, o que faz um showrunner?
O showrunner é um roteirista que ascende à posição de produtor executivo em séries. Termo que surge na década de 90, diz respeito ao profissional de texto que, supervisionando outros departamentos, atua como gestor do longuíssimo processo criativo que transforma uma sinopse no papel em um produto final que vai ao ar. Ele pode ser o criador da série, mas não necessariamente o é. Apesar de roteirista, não redige os roteiros (embora esteja pronto para fazê-lo). Mesmo trabalhando lado a lado com diretores, em geral não dirige. Ainda que assine como produtor, atua em parceria com outros produtores que de fato produzem a série, e com os quais discute opções criativas em função da realidade do projeto.
Sua função, que não é um crédito — você jamais verá essa assinatura ao final de um episódio — é a de zelar pela coerência de uma obra que, por ter se tornado tão ampla, precisa de um agente agregador que negocie soluções para questões narrativas entre colaboradores talentosos (mas frequentemente com visões divergentes). Tudo enquanto defende a aprovação de tais escolhas junto ao canal ou à plataforma. Ele é o primeiro a chegar, o último a sair.
O showrunner é alguém que escreve. Que tem a redação como ofício original. Simplesmente porque operar a engrenagem da sala de roteiro é seu maior desafio. E aqui nos deparamos com uma potencial polêmica, dado o volume atual de não-roteiristas se apresentando como showrunners mercado afora, algo que tem preocupado profissionais de roteiro que se veem supervisionados por pessoas nem sempre com o traquejo narrativo necessário para a função.
Profissionais de direção, produção, atores e atrizes podem, legitimamente, se considerar donos, chefes e/ou a voz principal de uma produção — simplesmente porque talvez o sejam mesmo, por autoridade conferida por senioridade, por talento artístico ou por poder econômico… sem que pra isso seja necessário o broche de showrunner.
É claro, existem exceções, assim como figuras híbridas, que escrevem, dirigem e sapateiam. Há também outras abordagens, outros sistemas de divisão de funções (como, na TV aberta, a figura do diretor artístico). Mas parece existir atualmente uma obsessão com o termo, talvez por nossa atração por estrangeirismos.
E por que esse tema é relevante? Primeiro, porque diz respeito à valorização do roteirista, figura central em uma série. Foi-se o tempo em que se dizia “não há roteiristas no Brasil.” Eles estão por aí, se formando e se estabelecendo. E mais: tornando-se produtores executivos. Com produções que contam com dois ou três diretores filmando episódios simultaneamente, mais um número crescente de produtores em ação, cabe ao roteiro — e à figura do showrunner — garantir que todos estejam contando a mesma história, com o mesmo tom.
Em segundo lugar, porque tal discussão esconde um desafio geracional, especialmente relevante no caso do Brasil: enquanto roteirista experiente, cabe ao showrunner brigar pela estruturação de salas de roteiro com jovens profissionais que representem uma sociedade em transformação. Em um contexto de comunicação historicamente centralizado, com poucas vozes monopolizando as telas, estas salas podem e devem se tornar uma plataforma para talentos emergentes, representativos de novas visões e linguagens.
Neste sentido, o showrunner tem a oportunidade de operar não como figura totalitária, como detentor exclusivo da visão artística que pauta de cima para baixo um projeto, e sim como articulador de uma criatividade coletiva ali em ebulição, mas talvez ainda carente de metodologia e processo — a serviço de uma história cuja inovação será garantida por uma equipe capaz de transformar em narrativa novas pautas sociais.
(*) Felipe Braga assina este argito exclusivamente para o TelePadi. Roteirista e produtor executivo, ele criou as séries “Lov3” (que estreia no dia 18 de fevereiro pela Amazon Prime Video) com Rita Moraes, “Sintonia” (Netflix, 2019 e 2021) com KondZilla e Guilherme Quintella, “Samantha!” (Netflix, 2018 e 2019) e “Latitudes” (Warner, 2014), além de escrever os roteiros dos longasmetragens “Marighella” (2021), “Legalize Já” (2017) e “Cabeça a Prêmio” (2009). Sócio e fundador da LB Entertainment, originalmente batizada como LosBragas, Felipe é membro da ABRA e da International Academy of Television Arts and Sciences.